Visitas da Dy

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Jeito de Existir




Depois de um dia exaustivo, ele já não sabia o que mais fazer para conseguir dormir. Os cigarros todos haviam acabado. Cerveja? O mercado estava distante e a dor nos pés impediam a caminhada. A preguiça também.
Apelou para o vinho, mas o bordô lembrava o vestido dela, a barra da saia comportada desfilando com o vento, como se fosse parte dele, parte daquela paisagem que mais parecia um parêntese no meio do dia, porque destoava com o restante do mundo.
Algumas taças depois e o sono ainda não havia chegado. A pouca luz da lua crescente que invadia o apartamento pelas frestas da cortina eram sutis como os olhares da moça. E eram também como a dúvida e as incertezas: teria ela olhado?
Já não sabia de mais nada. Tudo o que tinha era um par de olhos que não o deixava em paz, embora lhe trouxesse exatamente a sensação de paz que buscava há tanto tempo.
Refletia sobre como é que alguém aparecia dentro do nosso querer. Como ela havia entrado? Com que autoridade ela podia invadir o coração dele e fazer ali a sua morada? Já não sabia de onde ela tinha vindo se do vento, se do brilho do sol, ou se um congestionamento de ideias. Ela estava ali, brincando com suas artérias, fluindo com o sangue que lhe corria e ele não conseguia descansar.
Olhou para o telefone e pensou em ligar. Achou mais sensato escrever uma mensagem. Abandonou a tecnologia e resolveu rabiscar o que sentia em um papel.
Estava em um emaranhado de sentimentos. Um engarrafamento de quereres, misturados com as palavras, às quatro da manhã, e uma chuva de amores que seriam perdidos pelas vias entre a mão, o papel e os olhos que deveriam receber todas as declarações. Sentia-se como tantos outros que são conscientes do que se perde.
Não sabia onde colocar tanto amor e sentia o coração perdido. Não distinguia se era um sentimento bom ou não. Só sabia que precisava desabafar, antes que se sufocasse com aqueles olhos, faróis que lhe inebriavam.
Com o raiar do dia estava ainda jogado no sofá, com um papel amassado, versos rabiscados para uma moça que, do outro lado do céu, não havia dormido direito, sonhando poesias que nunca tinha lido.
Apressados, cada um em seu lugar, arrumou-se para o novo dia em que se encontrariam sem saber apesar de todo o querer.
Ao encontro por acaso, nenhum deles reagiu. Deram-se por satisfeitos com a breve presença, acreditando que algumas coisas não precisam de explicações, que alguns sentimentos não foram feitos para se entender. Apesar de gostarem da existência um do outro, mantiveram as bocas caladas.
Perderam, com aquele silêncio, coisas incríveis porque não creram no possível. Creram que já era tudo bom demais para se confiar na intuição e tiveram seus olhos perdidos no tempo, na dobra da curva da Boa Esperança, nos mares que guardam sonhos naufragados e versos engolidos.

Finalizaram o que nem começou porque esqueceram de se perder para se encontrarem adiante. E perderam outras tantas noites de sono com dúvidas e incertezas amarradas no se... Cada qual conformando-se com o seu jeito de existir.

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