Depois de um
dia exaustivo, ele já não sabia o que mais fazer para conseguir dormir. Os cigarros
todos haviam acabado. Cerveja? O mercado estava distante e a dor nos pés
impediam a caminhada. A preguiça também.
Apelou para o
vinho, mas o bordô lembrava o vestido dela, a barra da saia comportada
desfilando com o vento, como se fosse parte dele, parte daquela paisagem que
mais parecia um parêntese no meio do dia, porque destoava com o restante do
mundo.
Algumas taças
depois e o sono ainda não havia chegado. A pouca luz da lua crescente que
invadia o apartamento pelas frestas da cortina eram sutis como os olhares da
moça. E eram também como a dúvida e as incertezas: teria ela olhado?
Já não sabia
de mais nada. Tudo o que tinha era um par de olhos que não o deixava em paz,
embora lhe trouxesse exatamente a sensação de paz que buscava há tanto tempo.
Refletia sobre
como é que alguém aparecia dentro do nosso querer. Como ela havia entrado? Com que
autoridade ela podia invadir o coração dele e fazer ali a sua morada? Já não
sabia de onde ela tinha vindo se do vento, se do brilho do sol, ou se um congestionamento
de ideias. Ela estava ali, brincando com suas artérias, fluindo com o sangue
que lhe corria e ele não conseguia descansar.
Olhou para o
telefone e pensou em ligar. Achou mais sensato escrever uma mensagem. Abandonou
a tecnologia e resolveu rabiscar o que sentia em um papel.
Estava em um
emaranhado de sentimentos. Um engarrafamento de quereres, misturados com as
palavras, às quatro da manhã, e uma chuva de amores que seriam perdidos pelas
vias entre a mão, o papel e os olhos que deveriam receber todas as declarações.
Sentia-se como tantos outros que são conscientes do que se perde.
Não sabia onde
colocar tanto amor e sentia o coração perdido. Não distinguia se era um
sentimento bom ou não. Só sabia que precisava desabafar, antes que se sufocasse
com aqueles olhos, faróis que lhe inebriavam.
Com o raiar do
dia estava ainda jogado no sofá, com um papel amassado, versos rabiscados para
uma moça que, do outro lado do céu, não havia dormido direito, sonhando poesias
que nunca tinha lido.
Apressados,
cada um em seu lugar, arrumou-se para o novo dia em que se encontrariam sem
saber apesar de todo o querer.
Ao encontro
por acaso, nenhum deles reagiu. Deram-se por satisfeitos com a breve presença,
acreditando que algumas coisas não precisam de explicações, que alguns sentimentos
não foram feitos para se entender. Apesar de gostarem da existência um do
outro, mantiveram as bocas caladas.
Perderam, com
aquele silêncio, coisas incríveis porque não creram no possível. Creram que já
era tudo bom demais para se confiar na intuição e tiveram seus olhos perdidos
no tempo, na dobra da curva da Boa Esperança, nos mares que guardam sonhos
naufragados e versos engolidos.
Finalizaram o
que nem começou porque esqueceram de se perder para se encontrarem adiante. E perderam
outras tantas noites de sono com dúvidas e incertezas amarradas no se... Cada qual conformando-se com o seu jeito de existir.
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