Visitas da Dy

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Naufrágio II





Abandonando o cais,
Lanço-me no sem fim azul
Como um navio que escorrega no mar.
Ele percebe a beleza, a força,
Mas não pode prever a profundidade.
Por isso só segue nas horizontais.
Porque não saberia lidar
Com o que desconhece.
Talvez seja medo.
Talvez despreparo.
Um quê de insegurança.
Um muito de vontades aplacadas
Pelo sussurro do vento
Que dá calmaria, mas alerta:
Seu naufrágio é necessário.

domingo, 2 de outubro de 2016

Templo




(Foto: templo de Diana, Évora, vista da janela lateral do Palácio Episcopal, por Dy Eiterer, janeiro de 2016)
 
Da janela lateral,
Não era um quarto de dormir,
Mas grades que prendiam,
Há séculos, sonhos.
Entre as barras firmes,
Os olhos que resistiam
Chegavam ao Templo
E, aquilo que a boca não podia dizer,
Os olhos suplicavam à Diana:
Eram saudades
Da liberdade selvagem ancestral.
Escapavam pelas frestas
Da Casa Paroquial
preces pagãs
De um sentimento original.
Pouco importa se cabe ao corpo o açoite.
A alma é livre e dança ali nas ruínas.
Ouço seus ecos.
Ouço seu melodia.
Acolho em minha retina,
Em minhas lentes,
A visão mais bela,
Mais sofrida,
Mais real do tempo que passou,
Mas que ainda permanece.

sábado, 1 de outubro de 2016

Economias





Economizei palavras. Muito mais do que deveria. Não nos poemas. A esses mantive a rotina e os enchi de tudo quanto poderia: de palavras a sentimentos, de cores a sons.
Não é porque está escrita que a palavra não vibra, não toca a alma, não nos eleva aos céus e nos faz criança contando estrelas.
Economizei onde não poderia: ali, diante da única plateia à qual gostaria de ser ouvida e, tendo seus olhos, meus holofotes preferidos, distanciado o foco, já quase apagado, não sei mais se tenho o direito à palavra ou se tiver, não sei ainda tenho voz. Escapam-me certas compreensões de mim mesma.
Economizei por medo de assustar. Nunca se sabe onde os ecos do que é dito pode chegar. E, nesse exercício, também me assustei pelo tanto que guardei, pelo tanto que ainda tenho guardado, pela exposição que nunca fiz.
O que causa certo espanto é que, ainda assim, em meio a meias palavras e a falseações, nos entremeios do dito pelo não dito, houve uma compreensão silenciosa, tocante, fraterna. Um envolvimento de sentidos que só quem domina os silêncios e seus meandros consegue ter.
Meus silêncios gritaram até aqui, na economia de minhas palavras. E, ainda assim, olhos atentos me ouviram. De fato, não se deve subestimar as entrelinhas.                       
Existem leitores de alma por aí, sob o mesmo céu que me espanta e encanta. E eles me enxergam e me traduzem, como eu mesma já não acreditava ser possível. Seus olhos me ouvem quando eu não sei bem o que dizer.