Visitas da Dy

domingo, 25 de novembro de 2018

Olho do Furacão




Emprestei-lhe meus corpos em tantos tempos...
Dancei sob seus sons, seus toques, seus olhos.
Mesmo quando estávamos perdidos,
Mesmo quando me era só um sonho,
Mesmo quando só ouvia seus ecos,
Era o seu ritmo que me guiava.
Não tenho as medidas do que sinto
Tampouco sei suas definições.
Danço...
Repito minhas palavras secretas
Sussurro meus encanamentos à noite:
Ela me sabe, me acolhe, me ampara.
Ela me inspira, me sonha, me desperta.
Sou senhora de incertezas,
Flertando com teimosias.
Sou a que ouve conselhos e não os segue
A que tem um coração e não o cede.
Sou a que lhe espera sem saber se virá
Sou a que deseja resiliência sem saber o que é calmaria.
Danço no olho do furacão
Em sua ausência faço tempestades,
Mas, não sei se sua presença me acalmaria.
Talvez, ao tocar-me, eu explodiria.
Que fazer, então, se o meu bem me faz tão mal?
(Con)viver é dosar o veneno diário
Até ele seja a própria cura.

sábado, 24 de novembro de 2018

Sob as brumas do tempo




Eu não sabia nada do mundo
O mundo não me sabia, 
Mas eu pari os seres,
As luzes, as cores.
Sou a guardiã da vida!
Aos poucos, sacerdotisa, deusa
Árvore frondosa
Sempre mãe, aquela que nutre.
Feroz, protetora, amor-ardente
Minha força causou medo:
Queimaram meus sonhos,
Afogaram meus planos,
Rebaixaram meu papel...
Mas eu sou o próprio tempo em movimento!
Olhei o passado e despertei
Renasci
Resisti às brumas do tempo
Às mãos que tentaram me calar
Sou hoje amplitudes
E o mundo todo é meu lugar






segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Ao seu dispor




Mora em meu peito, amor,
Uma saudade, um lampejo de ardor
Das noites tão quentes
Em seus braços envolventes,
Eu me abria em flor...
Memórias tardias,
Nessa tarde vazia,
Em que olho o meu corpo
Em que não cabes mais.
Miro no espelho o meu rosto descrente
Tão certo de que não vai amar jamais
É o frio pungente, dessa solidão doente
Que não se desfaz
Mas, ainda é cedo, amor,
Para voltares a ser meu calor,
Tenho o leito em espera,
Alimentando a quimera,
Pondo-me a seu dispor...

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Transgressão




Foi assim. Quando menos esperei ele chegou e me fez parar. Não por ação. Não houve movimento. Só a existência. Só a presença.
Estanquei. Parei de respirar. Só o coração pulsava, descaradamente confuso, trocando o sangue nas veias, embaralhando os pensamentos. Acho que me perdi ao ser encontrada.
O fato é que, por ora, no trânsito da vida, aquele instante pareceu um engarrafamento: uma vontade de avançar com impedimentos. Quando o fluxo se restabeleceu, alguma coisa havia mudado. O rumo, a direção, o sentido. 
Eu me sinto ainda perdida naquela tarde que parecia outono e sou esmagada pela vontade - que tive! - que ainda tenho, de transgredir a ordem do dia, de saltar na direção do meu descontrole, de dizer que eu sempre fui espera, mesmo quando nem sabia.

sábado, 9 de junho de 2018

Lirismo




Ao esforço da literatura recaem meus lamentos e amores. Não os sonho muito mais do que um piscar de olhos e um “só por hoje”. Aprendi que essa, quiçá, seja a breve fórmula da felicidade: viver o hoje.
É um exercício, de fato, que as horas não sejam contadas a longo prazo, apenas como brevidades. Ora, vistas de olhos bem fechados, despertando sensações. Ora, sonhadas de olhos bem abertos, atentos aos milagres da existência.
Aprendi que a descrição, via poesia, torna tudo mais leve, mais completo. O viço de seu sorriso só perde para o frescor de sua chegada. Assim como beber o castanho de seus olhos me desperta bem mais do que qualquer café que eu coloque na xícara.
Não se tratam de loucuras ou delírios febris. São apenas as formas poéticas de descrição daquilo que coleciono nos dias: meus sonhos e quereres.
De certo, faltam-me palavras às vezes. Faltam-me línguas escorregando por troncos diferentes, em sentidos mais amplos do que posso compreender, para  (d)escrever as sutilezas que me saltam ao coração.
Percebo-me, então, na condição eterna de aprendiz: por vezes alegre com as conquistas, mas infeliz alma que nunca se sacia, porque o que se almeja nunca chegará à completude.
Oh, sísifo esforço! Nenhuma medieval dedicação lhe será suficiente aos sentidos tão seus e próprios dos desejos que brotam à alma. Não há descanso nem durante as longas noites em que mergulha nos véus de Salomé (se é que essa um dia os ostentou).
Não se revelarão os segredos mais tolos, porque deles é o reino da imaginação, onde, além de suas nuances, habitam os léxicos tantos que só arrisco na borda transparente que contorna um sumo tinto e inebriante.
Não se responderão minhas perguntas filosóficas, minhas expectativas ou conjecturas dignas de uma Babel, porque não se traduz o que se sente senão por exageros e lirismo e, uma vez tocado por esse encantamento, não poderão se descolorir em realidade.
Contento-me no esforço diário da escrita: cartas, versos, poesia e entrelinhas que, para além de uma organização de palavras, são, sobretudo, uma tentativa de compreensão do mundo e de sua existência longe da minha.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Estação Espera





Conto o tempo pela lua. Ela já virou desde a última vez que lhe vi.
Era cheia de brilho, do meu afeto, do seu cheiro, de minutos de nós, passageiros como a fase da lua, mas nossos.
Agora ela míngua. Definha suas saudades que eu coo com um café. Filtro de vontades quentes, que me queimam a língua e repetem à boca: não existem essas miragens minhas.
Fomos roubados pelo Tempo... Há um vau entre nossas histórias que os pés não cruzam, não se deixam molhar pelo desconhecido.
Nunca estivemos tão empenhados em planos de papel, sutilmente  próximos-distantes, estranhamente colocados em cenas que não nos cabem, se não, exercendo outros papéis, mas a presença ainda é uma energia translúcida que me invade, alegra e não aquece...
Sinto frio. Pouco respiro. Nunca tivemos tanto a perder: o rumo, o tempo, a chance, o que poderia ser, o raio caindo na terra, partindo (des)entendimentos, mas evita minhas tempestades (de areia, em copo d'água, de verão) e desvia seu caminho, seu olhar, adia a-próxima-ção.
Fiz-me estação, espera. Estávamos nós caídos sob nossos sonhos antigos?  Estávamos incontestes entre sorrisos não dados e vazios na estação à espera de que o medo dissipasse? Ele não vai passar. Ele é o fixo desafio vital.
Acomodados, aguardamos que tudo nos viesse ao próprio tempo, lento, como-deveria-ser e nos esquecemos de nós. Esqueci-me de mim. Estanquei contando luas, como as nuvens que ardem até se precipitarem em nossos olhos.
Sou a tempestade. A água escorre pelos meus olhos. Rogo que alivie a seca de meu coração deserto de suas chegadas.




quinta-feira, 7 de junho de 2018

O Sagrado e o Profano




Eu não mentiria se dissesse que gosto do momento em que sou o alvo de seus olhos. Mesmo de relance, quando os pego em flagrante. Mesmo sendo fato anunciado, presença que deflagra.
Porém, mais sagrado é o instante que precede a ação. Espontâneo. Intrépido. Que bagunça seu meio-dia desenhando, de alguma forma, minha presença em seu pensamento.
Esse indomável momento descuidado em que apareço e alegro. Avivo. Será que chego a roubar um sorriso?
Esse é, de fato, o encanto, o sacro: quando, sem que possa controlar, reino nos desertos pensamentos e, se não pareço dançar, sou a música, o vento, a poesia e a pausa em que se lança sem preocupação. Alheio tempo. Estanque hora.
Nesse instante em que não controla, sou mais livre do que nunca. E existo só pelo seu bem querer. Só porque me pensa. Só porque me credita um fio de seu dia.
Claro, se vem me ver, serei feliz, mas também saberei de todas essas coisas: os passos são todos derivados do sagrado. Do sagrado momento que invado seus pensamentos.
Mas que fique claro: quando me olha, minha pele tem sensações profanas.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Sempre posso parar




Eu sempre posso parar, afirmo diante das lembranças que me fazem perder a hora em algum momento entre o despertador tocar, a consciência se ativar e, de fato, desandar o dia em correrias.
É sempre a mesma coisa: só mais cinco minutos. Sob os lençóis mornos fecho os olhos, lembro dos seus olhos e boca e hálito e tudo o mais o que lhe compõem e me transfere energia e imagino o que não é, mas que eu gostaria.
Eu sempre posso parar, mas pela janela do ônibus, combinando com essa música, invento algumas histórias que deveriam virar um livro. E encontro seus contornos em uma ou duas frases. Não tem jeito. Eu lhe uso como inspiração.
Eu sempre posso parar, repito quando estou em um dia conturbado e gostaria de ligar pra alguém e ouvir só a sua voz. Não é por nada demais, só que ela se transformou no meu som preferido desde mil novecentos e tanto. Desde que respirou pela primeira vez. Desde que eu nem sabia de sua existência.
Eu sempre posso parar tudo, menos a paisagem que se agita com o vento. Com os passos de dança do relógio certeiro, mas que atrasa nosso encontro.
Eu sempre posso parar, mas sua miragem é o que me dá contentamento em dias cinzas e prefiro continuar. Mas que fique claro: estou me convencendo de que eu sempre posso parar.




terça-feira, 5 de junho de 2018

Deserto do meio-dia





Há estações que são minhas preferidas. Caberia aqui citar cidades, trens, concreto, ferro e pó. Mas me falam mais alto a cor das flores, o cheiro do sol da manhã, as voltas dessa Terra na imensidão.
Por ser assim, sempre que posso relembro a estação na qual parei, desembarquei alguns sonhos e não tenho certeza se já parti ou faço dela minha morada: aquela na qual experimentei seus olhos sobre mim, um quase frio, ameno, um quase dia ensolarado, brando, um prelúdio de noite calma, meu antônimo.
Escrevo nessa noite de outono e pouco importa seu número no calendário. Pouco importa se lhe experimentei ontem ou na semana que vem. O tempo passa e caber-me nessa ou naquela noite da semana não faz sentido... A ampulheta doa-se a cada um dos lados e sou parte do pó. Escorro por uma fresta. Sou o tempo que está (se) perdendo (?).
Conto os meses só pra saber se estou, de fato, na mesma estação.
Deve ser o quarto: mês. Também é o local. Minha pouca atenção recai sobre o nada. Não interessa-me a racionalidade matemática ou a precisão do tempo numérico. Sou regida pela lua. Sei em que ciclo estamos: ela e eu. Estamos minguantes. Nosso inverno não tarda. Ele se anuncia pelo cinzento que margeia o castanho de meus olhos.
Estamos à míngua daquilo que já foi desejado. Acostumamo-nos com o jogo complicado do ser-não-ser: o possível depende da ação.
A palavra que precede a ação a deseja, mas é incapaz. Abstrata. Inerte. Vaga. Vazia. Eu que já quis tanto, tenho dúvidas ou é só cansaço?
Sou espera na estação, mas não sei até quando. Minguo. E comigo vai a espera, o desejo, sua imagem, quase vulto.
Sinto o frio de um vento lunar tão deslocado quanto eu nesse momento e, embora cansada, sou capaz de suplicar:  deixe-me. Ou deixe que me aqueça sob a luz do seu olhar.
E, entre as artes que domino, deixe-me lhe pedir que me ilumine enquanto a luz de seus olhos pousa sobre mim enquanto passo um café, paixão minha, calor meu. (Desas)sossego meu, quente na ponta dos dedos, perfeito na ponta da língua, fogo que me arde mais nos véus noturnos que nos desertos do meio-dia.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Até que meu amor dure




Eu vou esperar por você até o último minuto. Até o momento em que a porta quase se fecha e, de repente, uma mão se atreve pela fresta e realiza o milagre da esperança.
Vou esperar por você sob essa nuvem densa, prestes a precipitar porque sei como é o seu rosto em um banho de chuva inesperada e ainda desejo colher algumas gotas à margem de sua boca.
Ficarei à sua espera de olhos bem fechados porque não quero perder seus detalhes e porque já era sonho meu antes do tempo começar a ser contado.
Serei esse mundo envolto em ansiedade e vultos até que se canse de correr por aí, mantendo essa distância segura de meus lábios e perceba que sua sede é provocada pela estiagem que me causa.
Talvez, nessa hora de sua consciência vívida, eu seja o seio de calmarias e a fonte de sua morada, inebriada por minhas histórias, cheia de meu próprio veneno-antídoto, que chamam amor, que me matou um pouco a cada dia, mas diante de sua presença me curou.
Não serei mais aquela que espera, mas a que acompanha: sua lua da sorte, amuleto sagrado, bênção diária de Sol poente.
Serei aquela que deita em sua linha do horizonte próximo, borda dos olhos, margem de sua cama.
Serei aquela que sempre desejei ser: completamente minha, mas, por escolha, temporariamente sua. Até que os dias permitam. Até que meu amor dure.

domingo, 3 de junho de 2018

Morada





Qual foi o tempo de minha morada em seu pensamento hoje?
Quanto de mim povoou seu sorriso?
Em que hora do dia sua desatenção foi por minha existência?
Houve um tempo em que o brilho dos seus olhos refletia a minha luz e suas mãos desejaram minha silhueta?
Rogo aos deuses que sim, porque aqui dentro, na minha desorganização cotidiana, a única coisa que parece no lugar é o seu olhar sobre mim.
Aqui nesse emaranhado de saberes e incertezas que coleciono, só o seu ser é pleno e me ordena, orquestra, pacifica.
Sou explosões confusas de sentimentos que só são contidas por saber que, em algum lugar, de certa forma, sua energia me rege.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Curvas




Não foi à toa que dobramos aquela esquina.
Entre as nossas curvas, tagenciamos desejos.
E, na distância de um ponto e outro,
Encurtei os vãos.
Presentes. Surpresa boba no canto da boca.
Sons tantos e palavras várias,
Onde estavam os sentidos?
Engolidos.
Saltaram da borda do copo.
Bebidos.
Quase embriagados.
E cruzaram-se os dedos.
(A fé infantil, crença na torcida sincera)
E cruzaram-se os destinos.
(Teriam culpas as pernas?
Foram elas que as chaves giraram?
Foram elas que os caminhos encurtaram?
Foram elas que se embolara!)
E, ao sol da meia-noite, queimamos.
E, apenumbrados, só os olhos brilharam.
Mais do que palavras, toques.
Cruzaram-se os destinos
E nenhuma margem nos coube.
Nenhum sono decretou-se.
Acordamos o dia à meia-noite
Porque a madrugada não nos cabia
E aceitou o seu fim resiliente:
Nenhum deserto é imune às caravanas.
Nenhum oásis míngua sem visitante.
Nenhum sol desperta sem razão,
Há de se saber apenas domar o tempo perdido,
Rejeitar os nãos.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Vela acesa




Meu universo, infinito, se divide, simples:
Parte é o amor que sinto,
Outra, é o amor que crio.
Os dois nasceram em mim.
De mim.
Consomem-me como chama.
O amor é vela acesa:
Aquece e ilumina e,
No tempo de uma vida,
quase finda, sabe-se eterno.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

A Casa




Faltava a casa. Não uma construção, paredes, quadros, mobílias, fotografias. Isso existia. Faltava o sentimento de autenticidade, o reconhecer-se parte de tudo aquilo. Faltava a integração. Faltava um calor, acolhimento, fortaleza.
Faltava tanto que a boca chegava a amargar memórias inventadas de um além-limites no qual, agora, estava em imersão.
Em certa medida, queria voltar ao passado, mas esse, só era conhecido de maneira muito vaga, pelo inconsciente, através de seus efeitos de torpor, nos minutos antecedentes ao sono, tangentes ao delírio, à invenção e aos desejos mais puros (originais, não virginais).
Buscava um refúgio na linguagem, em símbolos e códigos que pudesse usar para transportar-se para um lugar seu, de fato e de direito. E essas construções nada tinham de magníficas. Não chegavam a ser castelos, nem paisagens elaboradas. Reinava a simplicidade. A insustentável beleza do vento. A paz carregada na asa de uma borboleta. O som do amado-passarinho em cantos de entardecer.
(D)escrevia, de certo modo, uma floresta de significados próprios, cruzamentos de vontades, esquadrinhamentos das constelações que eram seus pensamentos e, como navegante interestelar, sentia-se finalmente em casa.

Não dominava um estilo. Não dominava a si. Não tinha intenções tão grandiosas. Apenas buscava o movimento de existir junto a algo mais, algo no qual pudesse ser parte e isso estava além da casa, além do tempo. Estava, em verdade, atrelado à busca. E era isso: a casa só passava a existir pelo único propósito da procura. No mais, tudo era espera. Tudo era um eterno pairar sobe o tempo, enquanto esse passava ligeiro como um rio, rumando para as outras tantas casas que também só existiam para seus donos enquanto uma viagem em um contexto quase filosófico da escrita, uma poesia desprendida de sentido, apegada apenas à leveza do bem-querer.  

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Sem conta



Amanheceu em mim um tanto de pedaços.
Eu que não sou dada às contas,
Não farei conta se algo me faltar.
O meu coração parece ter sido feito em cacos,
Cintilantes brilhos vistos de meu olho.
Planetário, observatório:
Contemplando estrelas distantes:
Gotas de meu amor derramado pelo chão.
Não, não há nada de todo o mal.
Não há nada de todo sério.
É só mais um passo.
Trôpego, eu sei, mas o destino é esse:
Um toque de “não me leve a mal,
Não me leve a sério”,
Por mais que, no fundo, eu só pensasse em dizer “me leve”.
E fui leve na passagem do tempo.
Fui o que podia ser,
Alegre verão, mesmo preferindo outono.
Fui passarinho,
Aprendi com o poeta que os problemas passarão.
E meu coração, atropelado,
Na contra mão, em desvantagem,
Sem passe livre, foi deixado ao chão,
Pobre vítima da queda livre da paixão.
Afogado num copo qualquer
Jogado da borda de uma taça,
Misturado ao vinho-sangue que bebi.
Machuquei-me de leve
E não faço conta da cota que paguei:
Valeu o sabor da bebida.
De resto, a vida me apanha ali na estrada,
Em seguida.
Como quem não quer nada,
Como quem me quer bem.
Como quem me sabe companhia
E vai me levar por aí,
Sem me exigir pouco mais que atenção.


domingo, 14 de janeiro de 2018

Tradução




Não era muito de conversas, assim como também não era tanto de silêncios. Era uma espécie de entardecer, com cores palidamente cintilantes e um ar contemplativo que permite um ou outro som sem que se quebre o encanto. Tinha um tanto de alegrias represadas pelos seus olhos escuros de noite e emoldurada por um castanho que lhe escorria do alto aos ombros.
Conheceu a aurora nas folhas mais brancas que poderia, manchadas por linhas azuis. Céu às avessas ao qual também, ao contrário do que deveriam, suas palavras passaram a pousar e não a voar. Na pouca idade, escrever era algo que oscilava entre treinos de caligrafia e um esforço de manter-se acordada naquele mormaço que a vida lhe parecia. Nem alegre nem triste. Uma vida.
Ainda não se sabia poeta. Essas descobertas demoram. São frutas que amadurecem em tempo certo. Em dores certas. Em risos certos. Em encantamentos adequados. Pensava-se só solitária, ainda que os cômodos estivessem cheios.
Respirava livre quando estava em fuga: ultrapassando as fronteiras de uma dimensão além, alcançada dentro de capas, de tamanho tão bom que cabia nas mãos. Portais mágicos, à toda época, passaram a se chamar livros.
Custou a colher-se poesia, a escrever os frutos maduros, abandonar seus verdes. A traduzir-se em vermelhas expressões, com sabores ora adocicados de sonhos, ora doloridos em construções gris como prédios de cidades grandes. Demorou a dar-se aos furtos dos sentimentos alheios para lhes doar finais ou rimas. Foi tudo muito devagar, tartarugas no pensamento. Foi reticências, margeando suas dúvidas tontas sem tanger, um minuto sequer, a certeza de ser.
No fundo, gostava mesmo da inconstância do estar ou não estar e,por isso, preferia apenas dizer que fazia reuniões nas madrugadas: reunia as palavras, os sentimentos, os esboços, os afetos e domava todos na arena do caderno de anotações para que, ali, decidissem seus destinos: declamações, exposições ou silêncios.
Venceram os gritos, as grafias fortes, riscadas em papeis receptivos: os versos soa vivos, alados, clamam por sua liberdade e pedem para serem lidos, ouvidos. E ela descobriu-se quase como que a libertadora. Chave mestra das gaiolas que os continham.
Quase perdia, já vencida, aceitou seu papel definitivo: transcrever os versos que lhe eram como açoites e se sussurravam aos ouvidos.
Ainda flerta pouco com as conversas e com os silêncios, mas agora sabe-se não mais sozinha, não mais deslocada. Encontrou seu lugar entre-linhas.


quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

De Borboletas e Mar



Eu sei o que é segurar, na ponta os dedos, luzes. Sei o que é espalha-las com um sopro nos lábios como se fossem orações em línguas que não domino, porque sou versada apenas em silêncios e sussurros.
Sei o que é sentir-me sob olhos-holofotes, ser o centro das atenções de um mundo inteiro e único e desejar não sair dali, por mais que tremesse, por mais que perdesse o rumo, porque a consciência insistia em dizer que tudo é breve.
Sei o que são os quereres, as coragens dos abandonos e desistências, as delícias de sair sem mapa, sem destino e fazer histórias lindas com grãos de areia que voarão e levarão um pouco de mim onde não posso chegar.
  Eu sei onde errei e cada tentativa que chamaram de acerto, embora eu mesma não esteja certa se, de fato, há essa certeza, esse ponto exato de se ser e estar.
Eu sei que às vezes é preciso o grito, mas tenho preferido os silêncios companheiros das canções gravadas ao longe e que me invadem, porque elas me acolhem como abraço amoroso quantas vezes eu quiser, sem que haja a necessidade da explicação.
Eu sei que o descanso é necessário, o pouso, a entrega, a doação, mas, por ora, estou bem sendo passageira, nuvem, vento, desequilíbrios, partidas e vôos cegos.
No fundo, experimentei certezas que nasceram em meus sonhos, bateram à minha porta e explodiram-se incertezas como as luzes que um dia segurei nas mãos, mas espalhei por aí com um sopro, entre sorrisos, fazendo valer a máxima de que a liberdade aproxima e, de fato, foi assim que aproximei-me de mim e cresci e reconheci o rosto no espelho... aqueles olhos... aquele brilho no fundo dos olhos.
Só quando soube que as asas das borboletas não devem ser tomadas entre os dedos e que elas, as lepidópteras, pousam em minha mão quando se sentem seguramente livres é que percebi que não nasci para as raízes, mas para as navegações azuis em céus dourados de por de sol.

Não desejo um cais para atracar, mas depois do caos de todo o mar, gosto de descer à praia e saltar ondas, voar nas espumas, dormir na areia e (re)partir meu fôlego de vida e aprendizados. Gosto do vai-e-vem, do inesperado. 

sábado, 6 de janeiro de 2018

Retina




Pelas lentes do fotógrafo, o tempo para. Congelam-se a felicidade, os sorrisos, os abraços, as emoções.
Cabe à fotografia a função de ser a chave da caixinha de memórias. Dispositivo mágico, de teletransporte, que me leva ao passado num fechar de olhos. Que me faz reviver o toque. Que me invade com o perfume daquele abraço, que morou por tantos dias na camiseta que eu relutei em lavar.
Quando abro um álbum de fotografias, é como se eu abrisse uma parte de meu coração. Tenho acesso livre àquele dia de sol, ao banho de chuva, ao café que queimou a língua, à música que eu dancei e nunca aprendi a letra.
Quando não posso contar com os artifícios de uma mágica captura fotográfica, uso minhas retinas, torcendo para que elas não me abandonem, não falhem. Torcendo para que elas imprimam em mim aquelas emoções cotidianas tão fortes que eu possa lembrar-me delas quando fechar os olhos.
É por isso que, quando tenho saudades, gosto de ficar no escuro, como se ele fosse uma tela de cinema na qual desfilarei meus momentos acumulados ao longo das experiências.
É no escuro que acesso meus cantos empoeirados, minhas represas de lágrimas contidas, minha coleção de gargalhadas bobas. E é ali, no escuro, sozinha, que eu rio, choro, gargalho, me abraço, me acolho, me nino, me cresço.

Fotografo e tatuo em mim, com minhas retinas, tudo o que me afeta para que eu não me esqueça que, embora os dias possam parecer áridos e cansativos, é à noite que entro num oásis de embalos emocionais que valem a pena e me revigoram e me renovam as esperanças.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Oferta



Eu não lhe ofereci amor.
Aliás, nem gosto quando usam essa palavra para essas relações impessoais.
Acho cansativo. Eu lhe ofereci corpo, suor, meus fluidos escorrendo no canto de sua boca.
Ofereci minha energia. Uma troca. Agora, nada de ligar, de abraços ou sentimentalismos. Pegue sua camisa e saia.
Saia antes que eu desista. Antes que eu queria ficar com ela, a camisa, pra lembrar de seu cheiro, de seu toque. Pra lembrar que eu já coube no seu peito. Pra deixar mais forte as marcas invisíveis que ficaram em minha pele.
Saia antes que eu me descubra um ser apaixonado.
Nunca prometi amor. Nem o neguei.

Bata a porta. Adeus. E não me esqueça.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Romã




Os azuis enchem os olhos
Tal qual suas formas enchem meus pensamentos
Desliza a folha com o vento
Como minha mão por sua cintura
Eis que perco-me em sua curva
E nenhuma paisagem tem mais importância.
Estamos como que perdidos em vontades,
Labirintos de desejos, sem Ariadne.
O que falta para que pouse em meu braço?
Há romãs frescas sobre a mesa,
Seus encantos vermelhos invadem a casa
Seus aromas quentes passeiam ao pé do ouvido
Estendo a mão, convite para dança...
Ouça o qanum e se desfaça em transparências
Eu lhe espero, telúrica visão.
Quando romperá os limites do tempo?
Eu lhe quero no desafio de equilíbrios,
Em pontas de pés e rodopios
Eu lhe quero moldura em meu pescoço
Porque o mundo lá fora me cansa
E penso que só você, personificação do novo,
              Trará o cansaço morno e manso
               De quem venceu mais um dia.
               E eu desenho cenários lindos,
               Mas se você não vem,
                  Nada disso importa aos olhos que miram além