Visitas da Dy

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Deixe Ir



Não morava em Pasárgada. Não era amiga do rei. Nem sonhava noites longas e quentes, muito menos em ir para lá de Bagdá.
Era comum. Como todas as outras milhares de pessoas com as quais cruzamos os olhares nas infindáveis esquinas que atravessamos.
 Só havia uma diferença. Uma certa filosofia que brotara em sua cabeça naquela manhã, como essas ervas daninhas que sufocam a planta boa, essa ideia recém-chegada à cuca ia sufocando os outros pensamentos.
Era uma ideia de liberdade. Na verdade de deixar ir. Trânsito livre, porta aberta, sinal aberto, corda sem nó, portão sem trinco, cadeado escangalhado.
Coisa de quem ouve música nova no meio da madrugada. Coisa de quem pensa diferente do resto do mundo e que fica matutando sobre os seus próprios botões.
A ideia nova era a de que quem deixa ir vive mais, melhor e conquista vitórias que são pra sempre. A ideia era deixar-se ao sabor do vento, das marés, das horas, segui olhando para frente, buscando os faróis longínquos.
Para as velas que são abertas, o vento só pode trazer novidades! E pensou-se uma embarcação, dessas que parecem estar à deriva, mas que sabe bem onde quer chegar. Que tem como meta pousa lá na linha azul entre céu e mar e segue.
E, agora que se assumira como embarcação, podia repousar nas bordas de si e olhar para o lado, descobrir as obviedades cotidianas que não percebia. Podia ver que em certos momentos era necessário velar, de leve, certas evidências, só pelo prazer de se buscar, só pelo alívio do deixar de lado, da despreocupação.
Agora que podia desfrutar das paisagens, deixando-se ir, esticava-se na ponta dos pés para olhar para mais adiante, onde o vento fazia a curva, onde os planos esperavam dobrados sobre a mesa.
Traçava planos, mas deixava-se ir, aos sabores do mar em que navegava, aceitando sua condição, seu tempo, seu ritmo, libertando-se de todos os rótulos que pudessem lhe prender, limitar, atrofiar.
Ser embarcação! Deixar ir para sempre ter! esticar-se na ponta dos pés e contemplar os dias vindouros despreocupadamente, bebendo a vida gota a gora. Ideias recém-brotadas na cabeça, filosofia de vida, de mar, de além.



quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Cânticos





Recosto minha cabeça em seu colo
De forma pequenina, limito-me a dormir.
De ideias fabulosas, não tenho o sono dos justos.
As inquietudes me invadem
Anseio a calmaria da árvore ancestral:
A firmeza de suas raízes,
A flexibilidade das suas folhas
Que bailam ao vento.
Clamo (e amo) o frescor das palavras.
Preciso descrever-me em sonetos.
Preciso tocar o poder lento de sua forma fixa.
Preciso correr meus dedos pelo seu contorno,
Misturar o que vejo,
O que sinto,
O que toco,
O que desejo.
Quero ser soneto!
Quero ser sonata,
Serenata,
Canto,
Dança.
Quero ser o que sou e o que não sou.
Quer ser a musa dos Cânticos dos Cânticos,
Aquela cujos Cantares foram poucos
E injustos,
Porque toda palavra é pouca para a Criação.
Toda palavra é muda diante da perfeição.
Mas não quero o perfeito.
Quero a quietude
A leveza da iluminação dos poetas
Que bebem suas agonias e as convertem em poesia
Que transmutam toda a dor em alegria
Quero navegar pelo idioma de Camões
Desbravar mares.
Ser nau de ideias em oceanos loucos.
Respirar o ar e provar o gosto de sal.
Farei do corpo que ali repousa o meu porto.
Farei do sal que experimento o seu gosto.
Assim, dormirei quase tranquila,
Como quem sonha durante o dia

E se entrega à noite nos braços de sua calmaria.

Sina





Ajuntando todos os dias
Daria uma semana.
Liberdades de uma vida enclausurada
In-ten-si-da-des!
Presente dos deuses?
Ela só cria em um!
(E era o da felicidade)
Seu destino era amaciar:
Vidas,
Corações,
Pedras no caminho,
Passados que teimavam em não passar.
Diziam que era feita de flor:
Lírio, violeta, orquídea rara.
Destilava as amarguras com seus sorrisos
E trazia na ponta dos dedos a leveza
E todas as suas palavras
Pareciam feitas de beijos
Que pousavam em todo lugar
Menos nos lábios desejados
Talvez fosse sua sina:
Porque toda alegria
Tem seu dia de tristeza.
Porque toda tristeza
Tem em si uma beleza.
Porque todo querer
Carrega incertezas.
Porque tudo que é possível

Atormenta a cabeça!

Vulcão





Habita em mim um vulcão
Corre-me nas veias a lava
Queima-me com tudo o que sinto
E já não caibo nessa dimensão.

Habita em mim uma janela
Que abro todos os dias para o sol
Ele, in(sol)Ito, só a mim não vem
Mas ofusca meu olhar, chama amarela.

Habita em mim um leão
Ruge alto, selvagem, bravio,
Mas espera o sossego, a paz,
No fundo sonha com a domesticação.

Habita em mim o silêncio de uma capela
Que afasto usando as cores de setembro
Enquanto recito preces rabiscadas em um caderno
Implorando alento aos santos pelo fogo de uma vela.

Habita em mim uma vontade
De viver tudo de uma vez
De ser e não ser, partir e ficar

De ignorar calendários, desfolhar a temporalidade.

Lírica





Eu, caminhante lírica
Dessa terra,
Filha de tempos mais leves
Entrego-me ao seu lado com um sorriso
Deito-me na poeira de suas palavras
Descanso pensativa como o viajante
Que redescobre cidades já vistas.
Que prefere as noites violetas,
Que vaga pela lua,
E escorrega em seu crescente.
Eu, passageira lírica dos ventos,
Desprendo-me dessa terra
E sonho Orientes.
Mudo-me para uma supernova,
Explosão de cores e brilhos frios,
E faço dela a métrica de meus versos
Que soletro, calma-mente, agradecida em sonetos
Busca de quem (des)espera o passar das horas
Seja por calmaria
Tranquilidade

Ou encantamento.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ao Mar





Acordei o dia nas Minas
Joguei o dourado do sol nas montanhas.
Reluzente como o ouro,
O renovo crescia com o dia.
À noite, acordarei a lua.
Deitarei com ela nas areias de uma praia.
Contarei ao mar meus segredos.
Beberei do sal e sussurrarei seu nome,
Não por superstição ou crença,
Mas por alívio, talvez saudade.

(Se é que se confundem esses sentimentos)


Direi seu nome por falta de palavra outra
Que caiba melhor em minha boca.
Gosto do som oco do seu nome,
Gosto de mistura-lo ao vento
E jogarei-o nas ondas do mar
Com a tranquilidade azul que me encanta
Com a inconstância azul do que penso
Com a profundeza azul que tenho
E que me dou a você.
Navega-me se ouvir meu chamado

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Tantas Coisas



Há outras tantas coisas semelhantes à lua
Para além das marés e suas insatisfações
(Teimosias)
Para além das grávidas e o fim das gestações
(Calmarias)
Para além das folhas milenares dos calendários
(Euforias)
Há um quê de fases da lua nos amores
Há a descoberta do novo,
Dos encantos e delicadezas
E tudo o mais de fase nova
Que se abre na escuridão das noites
Que pressente que crescerá
E cresce.
E é esse crescente o que mais me encanta,
Sendo, também, o que mais me espanta:
Há um apego, uma necessidade
Um querer que desconhece os limites
Que se estende para além de uma estação
Que se consolida maior que uma fase
Que se enche a ponto de quase transbordar.
Ah, as cheias e suas sensações!
Os desejos, quimeras, construções
Os tantos castelos alicerçados tristemente em ilusões
Extrapolados todos as eiras
Caem-se estrelas despedaçadas.
Mínguam-se as expectativas.
E, a menos que um eclipse nos salve,
Escorregaremos pelas beiras
Cairemos nós na míngua da noite,
Invejosa de antepassadas alegrias

E esperaremos, de novo, nova lua.

Ingratidão




Ingrata aquela que só dá a sua beleza,
Que ignora os ais,
Que não se volta a quem a vê passar.
Ingrato o verso altivo e esnobe
Quem surge no vento, alado.
Ah, aquele verso que veio e me embalou,
Ingrato!
Sequer deixou-se ser anotado...
Sequer deixou-se ser decorado...
Transtornou-me e se foi.
Ingrata fez-se a poesia
Que pousou em meu caderno,
Que deitou-se sobre aquelas linhas
Como bichana em manhã quente
E que se rasgou no fim do dia,
Julgando-se pouca, 
Insuficiente, fria.
Tinha beleza, a coitadinha,
Mas não parou para se ler,
Se ver, se entender.
Ingrata, ao não se reconhecer,
Passou só com a sua beleza
E teve o triste fim de ser esquecida.
 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Adormecer a noite, Acordar o Dia





Hoje eu coloquei a noite na cama e acordei o dia...
Coisa de quem se perde na madrugada
De quem flerta com a nostalgia
Hoje eu adormeci a noite,
Essa criança teimosa
Que se estende adentro das agonias.
Hoje eu brinquei de ser despertador:
Sem querer acordei o dia
Ou foi promessa de café fresco,
De quem vai buscar o pão na padaria?
Hoje eu contei as horas
Tic-tac fez-se pouco
O som do vento fez-se rouco
E eu aqui, debulhando sonhos
De quem os guarda na fronha do travesseiro
De quem os sonha acordada mesmo
De quem faz prece decorada
Dessas que saem do coração
Coloquei a noite na cama e cantei canção
E ninei a menina fria
Acordei o dia, sacudindo leve
O passarinho e sua cantoria.
Despertar tem que ser assim:
Um gole de brisa 
E um cheiro de jasmim

Imensidão




Nem todos os silêncios são preenchidos com músicas,
Às vezes precisamos da voz.
Nem todas as palavras ditas são verdadeiras,
Às vezes precisamos do silêncio.
E voltamos ao mesmo lugar:
Imens(ol)idão
O universo paralelo que criamos
Nem sempre suportável
Nem sempre habitável
Mas que cismamos em nos enclausurar
Fazendo questão de perder a chave
E de nos perder
Labirintos de solidão
Imensos moinhos parados
Que moeram nossos sonhos sagrados
E hoje rangem amarguras
Que recusamos a regar com açúcar
Sigamos sós
Atados em nós
Que sufocam
Que prendem
Que são apenas nós
De nós.

Preliminares




Antes da língua, o beijo
Antes do beijo, a boca,
E que dela saiam palavras de sorrisos
Saia tudo aquilo que me envolve
E abraça antes dos braços.
Antes da dança, a perna, o passo
Que passa e eu acompanho
E vejo os traços
Dos caminhos (des)norteados.
Antes da cama, a nudez
Não sua e a minha, mas a nossa:
Do que somos: essência, ser, consistência
Que caiam pelo chão todos os tecidos
Que usamos para tecer o que é visto:
Chamam isso aparência.
Antes que sejamos sós, sejamos nós
Abandono do corpo
Quietude de alma
Preliminares
Ajustes

Banquete




Tenho garfo e faca a postos.
Tenho fome de beleza e de corpo,
De tudo o que é físico, fusão, e não:
Porque há o intangível,
O misterioso querer-bem
[(Des)Pétalas de bem-me-quer
Antecipando meus quereres]
Tenho preparada a sobremesa,
Mas posso ser eu sobre a mesa,
[Emaranhados de toalhas e pernas
Leite e mel por todos os lados]
Banquete contemporâneo
De tempos idos e vindos
[Vontades, vinhos, viços
Sons harmoniosos de gemidos de violinos]
Festa de Dionísio
Delírios de Afrodite
[Peitos que arfam e sufocam
Frio na barriga que deixa febril]
Minha carne deixo arder
Cozinhar em brasa
Degustando mais com os sentidos
Do que com os prazeres efêmeros

[Do nosso curto tempo só sobrarão as eternidades que ousamos]

Chega Junto




Chega junto e traz o seu abraço
De braços largos para os meus, miúdos.
Chega junto e traz suas histórias
Para minha atenção difusa.
Chega junto e traz uma dança
Que meus pés não se cansam.
Chega junto e traz papel
Que as cores eu mesma invento.
Chega junto e resolve tudo o que lhe cabe:
O café, o filme, as horas.
E se não resolver, nem precisa chegar.
Chega!

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Leia-me




Repara naquilo que não digo
E, por ser assim, grito!
Acolhe-me em meus vãos,
Toma-me em silêncio
E entenda o que calo,
Porque o corpo queima
Sob a lua cheia
Mais do que no sol de verão.
Aceita o que lhe entrego:
É tudo o que tenho.
Sensibilidade e vontade,
Metade rumo ao fim.
Alivia-me do medo
Dessa expectativa, filha de dragão.
Pois sou chama mais violenta que a de sua garganta
Sou brasa de festival pagão
Sou bicho acuado, tentado,
Semi entregue.
Colha-me se tiver mãos.
Toma-me.
Se puder, cale-se!
E não conte esses segredos
De noite enluarada, de tons de confissão
De ventos medievos
Que anunciam nova estação.
Vela-me, navega-me,
Sou um uni-verso:
Leia-me!



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Linha a Linha



Eu era sua poesia, assim como você era a minha inspiração. Respiração cadenciada, calma, cheirosa como a terra molhada, onde sua semente de beleza era espalhada a cada passo seu, flor de lis que desabrocha o ano todo.
Contemplava seus passos de bailarina do vento, leve, solta, livre como asas sobre o mar tão azul que se confundia com o céu dos sonhos de Ícaro, tão desesperador quanto as agonias de Dédalo, tão necessários quanto o toque suave da seda sobre a pele nua, se é que a nudez necessita ser coberta.
Ouvia atento suas histórias, sabidas de cor por nós dois, mas incrivelmente inéditas aos meus ouvidos a cada nova contação. Seus lamentos não caberiam em nenhum muro, não porque fossem muitos, mas porque eram mudos, breves, quase indignos de serem chamados de sofrimento. Seu choro era quase como o canto da avezinha noturna: piado tímido e baixo, calado com beijos que eu trazia nas conchas das mãos.
Pequenina, conservava o tamanho dos gigantes dos tempos idos: de força e beleza incontáveis aos meus olhos. Fantasticamente condensando todos os tamanhos do mundo em sua altura mediana. Incrivelmente comum e bela, como os milagres cotidianos que não notamos.
Sufocava-me com abraços inesperados e beijos jogados ao léu que eu me esticava para pegar. Dona de si e de mim. Dona da minha respiração, dos meus suspiros, de minha devoção, mas sufocava-me mais quando se fazia ausente de meus dias, entristecendo os meus eternos domingos ensolarados ao seu lado.
De suas mãos eu sentia-me prisioneiro, curiosamente livre e cativo, paradoxos de quem vive as delícias de um amor indizível, que não tem pátria porque não cabe no mundo, que não anda porque as pernas seriam poucas, então, voa. E provoca-me vertigens em seus volteios. E sacia-me com seus ares novos a cada amanhecer.
Eu, que era sua poesia, descrevia-lhe poeta, dona das palavras que eu não saberia arquitetar. Dona de dons intangíveis por aqueles de pouca sensibilidade e apenas imaginada por quem se julga sensível. Eu, escrito por suas delicadezas, história de fazer felizes, sem necessariamente ter um final, de capa a capa intraduzível, a menos que o fosse por seus olhos, sua língua, sua versão.
Eu, contado de tantas maneiras diferentes, precisava despir-me diante de suas linhas para encontrar-me. Via-me tanto como em um espelho quanto em um caleidoscópio, com brilhos, cores e formas espetaculares, que só era inteligível pela amada.

Eu, tão comum, era raro para ela. E isso mudava o rumo dos capítulos da história que eu pensara em escrever, porque permitira, um dia, que ela assumisse a pena, sem penas, mas com toda leveza, para escrever cada um dos meus dias vindouros, linha a linha.