Visitas da Dy

terça-feira, 25 de março de 2014

(Re)Novo



Nos céus cinzas o que trovoa é minha cabeça,
O que chove são meus pensamentos,
O que ilumina são os sorrisos restabelecidos,
Reconquistados, revividos.
Nos céus cinzas de outono,
Manhãs são aquecidas por seus “bom dia”,
Por seus braços enlaçando o pescoço,
Por seus verdes olhos primaveris, infantis.
Os caminhos que são de ida
Fazem a volta e nos devolvem a vida.
As folhas que caíram, abriram lugares para o novo:
É tudo novo, de novo,

Por mais antigo que pareça.

terça-feira, 18 de março de 2014

Paira


Paira sobre mim uma névoa cintilante. Uma névoa que embaça o espelho e os meus olhos.
Paira um quase cinza de fim de tarde de inverno, mas sequer saímos da primavera. 
Esforço-me em não me alegrar com as flores, mas é tentativa vã. 
Eu, apaixonada que sou por aquarelas, vejo em cada flor um pote de tinta, com seus caules-pincéis prontos a serem usados na tela de cada novo dia.

Paira sobre mim um véu delicado, de proteção amorosa, que me impede de desistir, que me impede de jogar tudo para o alto. 
Tudo o que me cabe é um instante de sonho que voa, que voo (eu), como asas translúcidas, como suspiro de filho que dorme entregue em meus braços pequenos e tão frágeis quanto seguros.
Paira em mim algo que trago no olhar e que cabe no céu, na janela do quarto de dormir ou da sala do apartamento, no mar e nos pontos reticentes que deixo cair no papel.
Pairam sobre mim sonhos leves, mas que não solto. Pairam desejos de voar e ao mesmo tempo de ficar. Paira a vontade de tocar suavemente com a ponta dos dedos o futuro, mas receio que ele se desfaça ao toque.
Paira em mim um sem fim de quereres velados, barcos à vela indo longe de meu porto, garrafas recheadas de promessas no mar do tempo que ondula com o vento do esquecimento.

Paira em mim a liberdade. O sentimento de não estar presa aos sonhos e de refazê-los a cada nova manhã. Paira em mim algo leve, leve como pluma, leve como só a brisa pode levar.

segunda-feira, 17 de março de 2014

sorrisos



há sorrisos tão lindos
que transbordam
projetam-se como pássaros luminosos
e pousam na gente


Fabbio Cortez

domingo, 16 de março de 2014

Alimento


Ponha seus pés no caminho,
Ande milhas e milhas e não desista!
Quando o amor acenar,
Não dobre na primeira esquina:
Siga-o em linha reta!
Não ceda às asperezas,
Não fuja dos trilhos íngremes.
Segue, segue adiante.
Desfolhe o bem-me-quer de seu querer,
Transforme-o em seu amor.
Faça dele um grão:
Debulhe, limpe, faça-o trigo para seu pão.
Seja ele o seu pão da vida,
Seja ele o seu alimento da alma,
Sua alegria, seu sentido de viver,

Seja ele tão seu que acabará sendo você.

Sede


À beira do rio, deixava se levar pela correnteza.
Nas andanças das águas claras era um barco de papel.
Pelas pontas dos dedos tocava o frescor das manhãs:
Enchia-se com o transparente riso do vento.
Era dona de uma sede imensurável:
Buscava a fonte de alegrias.
Bebia a água e toda sorte de poesias.
Lavava sua alma com espumas leves
De correntezas sutis e constantes.
Era uma sede insaciável, sentia-se um deserto
E mergulhava as mãos na água para aliviar-se.
Bebia de seu reflexo na água:
Engolia-se a si mesma na tentativa de se conhecer mais e mais.
Exercitava-se na arte de perder-se.
Deixar se levar pelas águas:
Conduzir-se aos caminhos não previstos.
Se fechasse os olhos já não saberia de onde bebia:
Karun ou Eufrates,
Khabur ou Arax.
Bebia. Bebia e não se saciava
A água era fresca, mas a chama no peito ainda ardia.
A água era viva e na concha das mãos transbordava.
Bebia e desejava que aquele momento não tivesse fim.
Trocaria a eternidade por aquela paz,
Por aquele afago na alma,
Por aquele sossego no espírito.
Trocaria todos os dias nublados por tintas azuis,
Por sorrisos largos e abraços apertados.
Trocaria seus mistérios de desertos enluarados
Pela dinâmica fluente e ensolarada das águas.
Trocaria os longos silêncios
Pela canção suave da água que corria
             Das frestas de seus dedos de volta para o rio.

Dança das Horas



Fez do vento seu companheiro:
Tirou-o pra dançar nas horas que iam vagas.
Preencheu-se de raios de sol
E como quem dá-se ao desprendimento
Ousou e dançou.
Séria, girava no ar...
Riscava a paisagem com o lilás de sua alegria.
Se risada tem cor, a dela era dourada,
Enchia o dia, os ouvidos e pousava na amurada
Das embarcações quase naufragadas
De seus sonhos flutuantes.
Bailando com o vento, quase ao meio-dia,
Sentia-se como cigana: pôs os pés no caminho,
Mas não sabia ao certo para onde ia.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Pó de Poesia


Do pó foi feito meu corpo,
Do sopro, inundou-me a vida.
No peito é arca sagrada:
Cabe cada vez mais amor.
E amo e (cl)amo noites inteiras
Deixo-me ser pó, poeira!
Feliz o que se reconhece pequeno
E se refaz grande.
Eu me reconheço branca
E me mancho de linhas.
Eu me reconheço imensa,
E me desfaço em poesia.
A poeira que sou é feita de letras,
O branco de minha pele é papel marcado:
Faço em mim mesma minhas impressões.
Só lê quem tem tato,
Só entende quem toca...
(Não em mim, mas na poesia que sou)



quinta-feira, 13 de março de 2014

Esboço



Há algo em mim que teima em abandonar-me
Há algo em mim que anseia por liberdade.
Algo em mim deseja sagrar-se:
O ritual faz-se com papel e caneta.
Há em mim um verso,

Um esboço de poesia!

domingo, 9 de março de 2014

(Dis)Simulações



Simulava estar bem. Todos os dias, há 20 ou 25 ou 30 ou quase 50 dias, já havia perdido a conta ou já havia se perdido nos dias, não importando mais quantos eram. Talvez já tivesse virado um ano...
Simulava sorrisos e dissimulava as dores. Estava indo tão bem que às vezes até esquecia que o vazio do peito doía.
Solenemente assumia para si que não tomava mais o mesmo sorvete que ele – afinal, aprendera a gostar de baunilha por pura influência. Gostava mesmo era de chocolate. Sorvete agora só o misto. Um misto de já-esqueci com não-deixo-de-lembrar.
Abandonou as meias brancas porque não fazia mais sentido ter um espaço na gaveta só para elas: isso era mania dele, que as arrumava organizadamente quando queria ficar sozinho. Nada de meias brancas ou gavetas milimetricamente organizadas. Uma baguncinha caia bem: na gaveta, nas ideias, na estante de livros.
Não pensava mais nele. Queria acreditar nisso. E quando pensava, negava até o fim: uma mentira dita cem vezes se torna uma verdade, dizia um dito popular que ouviu no ônibus ou na rua ou sabe-se-lá-onde. Valha-lhe o dito! Não pensava e pronto! Ou quase.
“A nossa música nunca mais tocou”. Ouviu no rádio e rui, confirmando. Mais uma vez dissimulando uma dorzinha que incomodava nos ouvidos: eram tantas músicas que os rádios deveriam ficar mudos! Para cada dia, novas letras. Para cada cantor, uma favorita. E eram tantos cantores! A pilha de Cd’s só crescia e, de repente, diminuiu. Ele levou todos os favoritos. Pouco importava: MP3 serve para isso, para diminuir o uso do espaço na estante e encher os ouvidos com as tantas lembranças em forma de canção. Mas já não havia nenhuma lembrança. Só havia a promessa do esquecimento, de um amoroso esquecimento, à moda de Quintana.
Simulava olhos maquiados, dissimulados como a cigana oblíqua, brilhantes nas fotos e afogados por trás das lentes enquanto liam um romance, daqueles que ela também jurara nunca mais ler. Nada de sofrimentos nas páginas. A poesia é que deveria ser exaltada. Mas rendia-se aos sofrimentos fictícios tão próximos ao seu real.
Simulava sorrisos e gargalhadas que atravessariam os dias e chegariam ao ouvido dele há milhas de distância, dissimulando que os planos (des)feitos depois de tanto tempo deixavam o mural de avisos da sala muito mais vazio desde que a porta se fechou.
Levava os dias simulando para si mesma que tudo estava no seu devido lugar, dissimulando que engolia um pouco de dissabores nos finais das tardes, principalmente nos dias nublados.

Mas uma coisa era certa: em suas (dis)simulações o sentimento era real.

sábado, 8 de março de 2014

Jornada



O que se sabe da jornada?
Qual será o nosso rumo, nosso caminho, nosso destino?
Para onde os pés irão?
Seguirão firmes e direitos ou vacilarão?
Acompanharão meus tantos pensamentos que voam soltos?
Estarei livre dos ecos que ressoam no oco de meu peito
Ou sou condenada a vagar pelas tantas dúvidas
Que pairam no ar do meu ser
Para cada escolha que fiz e ainda terei de fazer?
Seria minha cabeça um labirinto digno de Creta
Ou cada coisa que penso é um balão que flutua?
Cabe a mim lançar um olhar de Medusa ao Minotauro que me habita
Ou espero paciente pelo herói e seu fio-condutor?
Há um herói? Há um fio-condutor? Há quem nos ajude?
Só há um balão! Meus pensamentos são balões:
Estouram, murcham e se perdem no ar.
Teimo e os puxo pela linha,
Mas eles gostam de ir ao vento,
Desatentos, leves, incontinentes.
Por eles perco o sono, o tino, o trem.
Traço rotas de ir além, mas nem sempre os passos vão.
Deve ser o medo do desconhecido
Porque aqui no fundo, a pergunta se repete:
O que se sabe da jornada?
E fecho o elo voltando ao mesmo lugar

Se é que um dia saí de lá...

sexta-feira, 7 de março de 2014

Águas (de março)


Era março e o céu largava-se em águas
As copas das árvores divertiam-se,
Balançavam-se descomprometidas com as gotas.
As manhãs tinham o cheiro de terra molhada
E a terra acolhia as sementes de meus sonhos.
As tardes úmidas alimentavam as raízes.
As flores das encostas se sacudiam,
Como prontas para serem colhidas.
- Deus não permita que elas sejam desdenhadas!
Não fosse noite, eu estaria lá fora.
De pé, à margem da estrada, eu poderia observar tudo.
Veria o vermelho do barro desejando pegadas firmes,
Desejando recolher os raios do sol,
Desejando unir destinos.
Era março e findava o verão.
Os suspiros inauguravam o outono,
Previam suas noites prateadas,
Os orvalhos cintilantes nas pontas dos dedos,
Os serenos das madrugadas em dó maior
De quem está sol em si e em mim.
Os olhos admiravam as chuvas e imaginavam as neblinas
Tão densas quanto os véus castos dos dosséis.
A pele sentia o vento frio trazido com as chuvas
E se sentia confortável,
Rebrilhando a cada novo lampejar de raios,
Vibrando a cada trovejar,

Desperta, esperando o dia acordar.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Suave Perfeição


A leveza de ser só me vem ao saber
Que todas as coisas têm sua medida exata.
Tudo existe em sua suave perfeição,
Ainda que pareça imperfeita,
Ainda que seja incompreendida.
Tudo aquilo que se extrapola,
Que se transborda,
Não vai além do que poderia,
Não vai além do que se permitiria.
Nada vai além do que já é:
A gota d’água no copo é total em si
E por mais que ultrapasse os limites
Será sempre a mesma gora d’água.
Somos sempre da mesma medida.
O mundo é que parece se encolher diante de nós.
O tempo é que parece acelerar a cada dia,
Embora sejam eles os mesmos;
Embora sigam a mesma rota que nós:
A (i)mutabilidade de nossa exatidão.
Esse delicado segredo de sermos nós mesmos
Estranhos a tudo,
Aos outros,
(E a nós – cada vez mais, menos)
E confusamente arranjados
Para permanecermos invisíveis

Diante dos nossos espelhos.

terça-feira, 4 de março de 2014

Asinha de mãe

A mãe ajeitava a cama para o filho dormir. 
De repente o menino levanta a cabeça como se esperasse algo mais confortável para repousar. 
A mãe, prestativa, lhe oferece um travesseiro e ele diz: "Coloca o braço, mãe! Sua asinha é melhor!" 
Ela se sentiu leve como um passarinho, confortável e segura como um ninho. 
A felicidade cabe bem debaixo de nossas asas e quando a encontramos, voamos!

segunda-feira, 3 de março de 2014

Aluar


(Moonstruck de Michael Parkes)

Quem és tu que vens vestida de estrelas
Carregando a lua e seus mistérios no olhar,
Prateando meus sonhos outonais?

Ah, o eco leve de teus passos pela madrugada
Seus dedos leves a tocar o céu, espalhando nuvens
Desfias os novelos de tantas histórias tecidas pelas Moiras...

Caminhar ao teu lado é ver a aurora despertar,
É não desejar o fim das madrugadas andurriais,
É querer-te nas despedidas com a certeza das chegadas.