Visitas da Dy

domingo, 10 de setembro de 2017

Meu Mundo



         
          Meu mundo são quatro paredes, pelas quais desenhei cometas e estrelas cadentes, pelas quais escrevi bilhetes e poemas. Pelas quais pendurei molduras vazias, buscando um rosto diferente de cada vez.
          Minhas quatro paredes... eis aí a definição de mundo. Nada de grandes espaços, uma fronteira para o mundo, porta sem chave, para quem quiser ficar, entrar, uma janela para o infinito, para que os versos criem asas e as músicas pousem na soleira.
          Eu que não gosto da primavera, hoje recebo flores e pássaros para o café da manhã. Recebo luzes ofuscantes e quentes e vivas e alegres, como aquilo que me move nesse momento. Toco cintilâncias contentes quando me espreguiço nesse domingo.
Eu que pouco me arrisco para fora desse quarto, que o chamo de mundo, que o decoro com toques do mundo: corujas, elefantes, arabescos de mil e uma noites e cores de van Gogh, tudo se harmoniza nesse mundo que eu criei e que, às vezes está aberto à visitação. Hoje, talvez.
          Eu que carrego um colar de prata, um símbolo da chama inquieta que sou, também cedo às pedras da Lua e aos olhos de tigre. Retiro deles energias e aprendizados: a rigidez não exclui a beleza.
          Eu que sou de outonos e invernos, pintei paredes ensolaradas no meu mundo: gosto dos contornos luminosos das tardes findando. Gosto dos alaranjados esperançosos de sabores noturnos que não se podem conter.
          Eu que gosto de cores e sons, de entrelinhas e manhas, serpenteio pela casa como a bailarina se move na música, com certa leveza e confiança: conheço meu espaço, conheço meu mundo.

          Eu que flerto com as tristezas alheias, hoje serei só novidades, serei mais amplitude, serei mais amor que posso ser: entram flores e borboletas pela minha janela. Contaminaram-me com suas asas. Agora só desejo voar pelo dia que me invade, mas pousar, com calma, mais tarde, nesse meu mundo, nas quatro paredes que me cercam e me guardam preciosa.

sábado, 9 de setembro de 2017

Seus Olhos



          Agora, tendo o direito à palavra, de maneira mais clara, mais livre, não sei bem o que fazer. Sou como os pés do caminhante: sei que preciso ir, mas pouco importa o caminho. Em nosso caso, sei o que devo dizer, mas já pouco importa.
          Em verdade, foi em um dia como esse que eu saltei seu olhar a dentro e percebi que havia inventado o amor. Não no meu tempo. Bem antes. Não para mim, para alguém que se foi. Não com as letras de meu nome, mas com sons emudecidos.
           Eu era um lapso no espaço-tempo de seu coração. Se é que cheguei a tocá-lo. Fui uma tentativa de se convencer que tudo passa, mas, na borda de seus olhos, isso não estava escrito e eu pulei. Se soubesse que a mim só caberiam as margens, sequer teria molhado meus lábios. Se soubesse que depois do mergulho só viriam as sombras, eu não teria lhe doado tanta luz.
           Não é um arrependimento que me corre, mas uma vontade de interromper os questionamentos. Uma vontade de acolher essas mágoas nos braços, de transforma-las em novidades, de ouvir suas dores pela última vez, calando-as com meu sorriso, mordendo-as para que deixassem de existir.
            Agora que desprendi-me de toda chama que aquecia meu peito quando ouvia seu nome, posso dizê-lo sem que me corram vontades incompletas pelo rosto. Posso até dizer o quanto é lindo ver seu reflexo atrás de um copo, meio disforme, mas completo, de um modo que eu não percebia, embora tivesse me esforçado.
            Em verdade, o que mais gosto em seus olhos é o fato de ter inventado o amor. De tê-lo vivido a seu modo, a seu tempo, ao seu ritmo e de, ainda que dormente, não tê-lo abandonado. Ele está aí, eu sei. Vestiu-se de medo, mas ainda respira.

            Agora que visitei seus espaços mais humanos, olho pra mim. Questiono se conheço o que chamam de amor. E lamento o meu desconhecimento de causa. Talvez, em todos os meus passos eu só tenha conhecido desenganos, só tenha experimentado os contos encantados, mas, em verdade, nunca tenha me deixado encantar. Faltam-me olhos como os seus.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Coleção




Experimentada a crueza do mundo, as crueldades vãs, sem vantagens ou ganhos, era para o coração cansar de apanhar, parar de sangrar, estancar, se acostumar. Ainda conservaria as dores, as lembranças. Ainda empalideceria ao ouvir passos, ainda tremeria com aquela voz, mas, aos poucos, secaria a fonte.
O cansaço deveria fazer algum efeito, anestesiar, desmoronar os castelos de sonhos, das cartas não escritas, das não respondidas. As pedras dos caminhos deveriam quebrar o restante dos sentimentos, juntar-se aos pedaços de mim no chão, misturar as peças do quebra-cabeça da vida e me fazer parar.
Depois da badalada do relógio na madruga fria e insone eu deveria só dormir. Deveria desistir das camuflagens noturnas, mas ainda sinto que as tristezas não se encerram e que eu não sei para onde irão, mas me abandonarão.
Eu sei que deveria deixar tudo voando, tudo sair pela janela, tudo explodir em migalhas, mas, diante dos quadros estáticos, eu passo, pinto a vida, sou tinta e mesmo sabendo que as palavras não pousarão em seus ouvidos, que as saudades vãs não lhe tocarão a pele, resistirei.
Eu sei que deveria apagar tantas coisas entre nomes e telefones, mas as lembranças não irão junto, então, as faço coleção e as deixo aqui, se (de)morando em mim, partes minhas, histórias minhas, lamentos meus, chuva de verão na vidraça de meus olhos-paisagem.
Eu sei que deveria cessar o canto-pranto-grito, mas ainda sobra fôlego para chegar até o fim do caminho, onde os ecos do passado se calam e o oco do peito se preenche com a esperança madura de quem soube engolir o azedo-verde.

Deveria ser tudo pluma, mas o ar é denso quando não se aprende a respirar e só agora, sem ter as mãos atadas às suas é que toco o chão quando salto do céu, quando meu vestido paraquedas estaciona no chão do quarto.

sábado, 2 de setembro de 2017

Infindável




Olhava o relógio tão fixa quanto uma estrela na imensidão. Sentia e não sabia explicar. Era longa como as voltas dos ponteiros. Era curto o tempo diante de tudo o que sentia.
Imensurável tempo. Imensurável sentimento. Parecia dor de si mesma. Parecia prisão, aquele corpo que a obrigava ser entre linhas bem determinadas: retas paralelas, alongadas pernas e braços. Algumas curvas, convite para mãos e toques aveludados. Era, assim, uma prisão comum como todos os outros corpos que conhecia. Mas tinha, em si mesma, ganas de liberdade.
Diante do relógio, sabia que tudo era eterno porque se estendia além do instante marcado pelos ponteiros e sabia que sentia muito mais do que podia pontuar.
Sorvia da noite os afagos que desconhecia em realidade. Imaginava-se entre braços, dedos tocando seus pensamentos enquanto pairava na imensidão da cama envolta de breu. Imaginava-se alada, acolhida, amada e na melhor de todas as noites, embriagada de um amor que lhe sobressaía ao peito, selvagem, como seu coração indomável e, por isso, solitário.            

Sentia pena de si mesma por experimentar a solidão. Amava-se ainda mais por saber-se livre. Orgulhava-se por conseguir equilibrar-se na valsa que a vida era, com suas voltas e caprichos e ela ali, ritmada pelos ponteiros marcando um tempo (in)findo.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Poço sem Fundo



Estou num poço sem fundo chamado noite. A luz foi aprisionada em algum lugar desse poço.
À sua beira, tento, em vão, salvar os resquícios de luz que me acalmam. Não toco a água nem vejo o fundo.
Ao longe há uma moeda disforme, agitada como meus pensamentos. É uma projeção ilusória, mas me encanta. No fundo do poço mora a lua ou é lá que eu, por engano, descobrirei que a vida é um sopro?
Estou à beira do poço que engoliu a luz e a aprisionou. À beira da noite que me enfeitiçou. Que faço eu, Moura sem encantos, para dissipar o breu?
Sou parte do vazio que ecoa nesse poço: os luzeiros do céu embelezam, mas também se apagam. É a certeza de que há um ciclo prefeito em todas as coisas e que a função do homem é nascer-buscar-morrer como o dia. Como a noite.
Estou à beira dos limites de água e céu, despedindo-me da terra. E eu tenho fome. E eu tenho sede. Quero engolir metade do mundo de uma vez só e devolver a luz ao céu...
Quero beber toda essa água que teima em afogar as mágoas e sufocar-me só daquilo que é bom.                       

Estou à beira da noite, mas já ouço o dia. Encontrei a palidez da primeira Estrela despertar e estendi-lhe a mão. Vamos juntas rasgar o céu e viver de luminosidades quase sonoras.