Visitas da Dy

terça-feira, 28 de julho de 2015

Constelações



Sobre sermos um mundo,
Experimento um pouco de meus desertos,
Desse silêncio com ares de desbravador que me toca,
Dessa companhia da ausência que, embora contraditória,
É o que me leva a contemplar quem sou.
Como se pudesse deitar nas areias de meus desertos,
Observo, agora, que possuo uma constelação de sentimentos
Que brilham mais ou menos, mas brilham.
É um universo que lateja em meu peito.
Enquanto isso, navego por suas dobras
E jamais chegarei às suas bordas.
E nem nas minhas.

Descobrir-me continua sendo minha aventura mais profunda.

Névoa



É inverno e o vento canta na janela,
Assoviando canções de antigamente.
Para não negar a luz, acendo uma vela.
Ela será a companheira das horas intermitentes.
Parece frio, mas nada sinto, sobrepujo essa sensação.
O que toca minha pele pouco se demora,
E não me causa espanto essa falta de ação.
Semelhante à névoa lá fora,
Aprendi a me velar por detrás de cortinas transparentes
Como caminhos encobertos, como segredos
De moças debutantes e sorridentes,
Que pouco sabem de degredos.
Mas eu sei!
Sei ouvir o som da noite ecoando nas esquinas,
Sei contar cada passo que já dei,
Sei de cor a cor do vinho com quina
E ouço a saudade latindo,
Como um cão vadio e sem dono,
Sem casa, errando, indo e vindo.
Isso tudo me faz perder o sono.
Pouca coisa espero da noite vazia
Guardo dela as memórias de estrelas
Conto uns pontos, entrego outros, flerto com a melancolia,

E tenho comigo silêncios loucos e tagarelas.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Vácuo



Calados os sons do mundo,
Resta a dura lição
De aprender a ouvir o vácuo.
É na curva do universo que me acomodo
E fico à espreita do novo
Que nunca vem.
Ali, na dobra da imensidão,
Dobro tristezas,
Acolho silêncios,
E observo as vontades que adormeceram.
Não há mais pulso,
Não há mais coragem,
Não há sequer sombras de outrora,
Pousadas em minha janela.
Preferia a algazarra de antigamente,
As cantigas de roda,
As flores nos cabelos,
As canções de ninar
E as folias de carnavais.
Preferia...
Agora, que o mundo parece ter se calado,
Restam apenas murmúrios,
Restam doloridos silêncios
Que nenhuma cotovia rompe.
Que nenhum canto desafia.
Que estagnam as horas
E condensam o ar.

O vento sopra e não assovia.

domingo, 12 de julho de 2015

Lilaceae



Casmurro. O mundo anda casmurro. Até alguns poetas andam assim. Teimosos, provocando em si mesmos sufocamentos terríveis, pois, tendo recebido as penas como dom, escolhem fugir delas.
Ora, aquele que muito sabe das dores não deve ser recolhido em si e nem insatisfeito com a vida. Que se arme com a palavra. Que faça o vermelho-tinto (ou tinta) valer a pena.
Aquele que sabe prestar a atenção às batidas do coração não deve se calar. Deve ser como o sol depois da chuva, porque o mundo carece de quem o sabe entender.
Quem sabe fazer da vida um apanhado de gestos leves é como quem colhe uma flor no seio da manhã e se alimenta de ares novos que acalmam como disco antigo na vitrola.
Sorrisos largos e grandes apontam o caminho ou aumentam a vontade de ficar: depende das cores que eles usam para nos prender - em nós e/ou neles mesmos - e nos levam a descobrir, então, toda riqueza que existe nas elementares e simples curvas de ombros amigos, de dedos entrelaçados, de histórias inexplicavelmente cruzadas.
Há em toda vida um conjunto espontâneo, livre, autônomo e misterioso de acontecimentos que se liga um a um como versos de um poema e faz-se, assim, a perfeição do que é viver: enfrentar reticências, vírgulas, interrogações, deliciar-se com exclamações e, por fim, se não, enfim, o ponto que desejamos evitar, mas que é certeza: o final.
Não é que haja ou caiba uma linguagem própria para se ver, ler ou explicar o mundo. Não são nem as vozes de ontem nem as de hoje oráculos sagrados.
O que nos cabe é aceitar a fórmula do acaso e encontrar ao próprio modo algo que valha a pena.
Se há algum alento, atesto que existem pessoas mágicas, que flertam com a loucura e com a lucidez, não sabendo distingui-las. Equilibram-se na corda bamba, sem rede, da sensibilidade. A essas pessoas, sim, são reservadas as penas - de dores e de tinta e de levezas - e espera-se que esses seres não se fechem, não teimem contra as palavras que lhes brotarão aos ouvidos e saltarão até pelos poros imersos em madrugadas.
Espera-se que essas pessoas aceitem esse poder em suas mãos. Aceite-o como um dom. E que se façam das palavras seus órgãos vitais para sobre-viver (e voar) (a)o mundo, que precisa de quem sabe ver além.

Espera-se, quase de maneira egoísta, que esses, aos quais a cor não falta aos olhos, que dispensem os óculos escuros e que espalhem seu dom aos outros. Mais que generosidade, é uma questão, um modo de vida.

Nyx



Já não sei nada de rios ou de foz
E quando já não tenho voz,
Que me falte todo o resto:
A música, a mímica, o gesto.
Que me falte o ar, o paladar,
As contas, os contos, os pontos,
Mas que não me falte a consciência
Que mostra que sou pequena,
Bem menor que toda a verdade,
Bem menor que todo o silêncio.
Bem mais branca que o céu de julho
Que se despiu do azul
E mais parecia um grito calado
Do que uma paz alcançada.
Se eu não tiver palavras,
Se me faltarem as línguas,
Que eu ainda lembre dos gostos
Que eu ainda ouça, em mim,
Os gritos que permaneceram
Vivos feitos olhos noturnos
À beira de paisagens escondidas
Que eu soube reconhecer tão bem,
Com meus olhos que tateiam o escuro
Como as mãos tateiam o carinho
Nas margens da pele que se quer bem,
Na moldura do corpo que se deseja,

Nos sonhos que se tem de olhos abertos.