Visitas da Dy

sábado, 24 de maio de 2014

Muros Rabiscados II



08/09/13

O casal de jovens embalava-se em amores primaveris. Coisa da idade, de quem descobre o primeiro amor e pinta flores nos galhos secos da vida. Descobriram outros olhares para a guerra que assolava sua terra.
Com um disparo rouco no meio da noite, um copo cheio caído no tapete da sala, como as espumas que ficam na beira da praia com saudades do mar eles se separaram. Entre homens que não amam, o amor nunca é percebido como antídoto.
A mão caprichosa do destino os colocou em opostos. Calaram-se as bocas, secaram-se os beijos.
Restaram àqueles corações a saída dos que se perdem em sons mudos: os versos, os riscos nos muros das ruas que percorriam e que sonhavam reencontrar-se.
As promessas loucas de suas vontades saltavam da tinta e  realizavam-se nas madrugadas, colorindo, rimando e mostrando que o amor não dormia, desfilando diante dos olhos ao raiar do dia.
Eram palavras mudas, quase letras mortas, que traziam à tona seus segredos, emergindo à luz da aurora em tons de confissão: todas aquelas palavras já eram ditas pelos olhares, eram reveladas pela dedicação, eram arrastadas pelo tempo.
Oxalá, seja verdade que o amor resiste a tudo e ao tempo...
Só essa verdade faria das horas desfolhadas em prosa,  da vontade de parar os ponteiros do relógio, de calar o cuco, de conter a areia, um esforço sadio, longe das agonias de Tântalo ou de Sísifo.
Pelos muros, marcaram-se as letras. Pelos versos, escorreram-se os sentimentos. Pelos desejos, a eternidade. Pela presença desejada, alegria quase incandescente. Para a vida, planos. Pelo real, utopia e pelos muros, nada mais que rabiscos.
Ansiosos pelo fim do inverso de suas vidas, contavam os dias e todas as bocas que conheceram, jamais tiveram o mesmo gosto. Nenhuma noite embalou sonhos com outros personagens. E nenhum poema foi suficiente para sufocar as brasas que restaram daquele primeiro amor.

Pressentimento



No dia em que eu pressentir que o meu fim está por chegar, mandarei avisos a quem interessar. Para todos que os receber, uma única recomendação será dada: que corram até a janela.
Quando as minhas horas se extinguirem, serei visível das varandas e alpendres. Chegarei de leve, com o vento, e logo que a noite vier, caberão, a todos os ouvidos, partes de meus segredos, sussurrados entre as badaladas noturnas dos carrilhões que ainda resistirem ao tempo.
Os versos que escrevi estarão livres e voarão, dispersos em tons de azul e prateado, combinando com a cor da noite, com as fagulhas das estrelas, com as espumas de tantos planos não concretizados que, empoeirados, foram esquecidos nos cantos mais escuros das pessoas.
As rimas que não ousei serão as companheiras dos planetas destituídos de sua posição, vagando Plutões de solidão e de vontades contidas. Palavras mudas, letras mortas e pétalas caídas, cenários de idas, vindas e tentativas frustradas.
Dissolverão todas as tristezas nas penumbras da lua e seus crescentes desejos em ser nova e restarão as alegrias cheias, sem nenhum minguante assombrado. Nenhum rosto será esquecido. Nenhuma risada será silenciada. Há de se fazer festa pelos céus lácteos e as preocupações se lançarão nas nebulosas para nunca mais reencontrarem os caminhos de nossas casas.
Os nomes serão pronunciados em vozes altas e firmes e o mar e suas ondas e inquietudes não rugirão tão alto e não calarão nem frases feitas, nem palavras de efeito. Caberá a ele apenas apagar todos os mal-ditos e os não-quereres e levará para o seu profundo todos os excessos de  silêncios sufocantes.
Abrirão todas as bocas porque os ares serão de poesia e encantamento. Todo coração irá se acelerar e toda velocidade para o sangue será pouca: o amor não saberá mais esperar.

Toda noite será curta e todo o dia não bastará, porque uma ampulheta terá se quebrado e dela, não cairá apenas areia – ou tempo – mas uma alma que ansiava pela liberdade das horas tantas que foram poucas e que mesmo conhecendo amplitudes, sonhava com a imensidão e o ruir das horas será um passo para o abismo, para o abrir completo das asas.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A Flor e o Espinho


Gostava de usar vestidos. Os tons claros eram os preferidos. Gostava da sensação de leveza. Gostar de pensar que como a barra da saia que girava, ela flutuava. Em dias de sol branco, vento brando e cantos azuis de pássaros multicoloridos ela saía para caminhar por trilhas que não levavam a lugar nenhum.
Às vezes, como se fosse filha de Afrodite, ornava a fronte com rosas. As mesmas rosas que perfumavam seu quarto e que a lembravam de dores passadas.
Como todo mundo ela tinha as suas dores e como todo mundo ela procurava velá-las e, pra isso, criava mil fantasias. A que melhor lhe cabia era, de fato, a das rosas.
Ela comparava as suas dores com as flores que mais gostava e cultivava. Para elas seus conflitos internos eram caminhos forrados com as flores e ela seguia firme a cada passo. O coração doía, mas entendia que a dor era como andar sobre rosas perfumadas.
A cada passo sentia-se os espinhos, a dor fina deles entrando e rasgando a carne. Sentia-se o pulsar do sangue quente escorrendo pela pele machucada. Sentia-se uma vontade imensa de chorar.  Mas o perfume das rosas não deixava as lágrimas escorrerem. O doce perfume,  tão intenso, tão inebriante, tão alegre, era capaz de transformar a dor em coisa passageira, em situação suportável.

Assim, enfeitada com rosas de várias cores ela se escondia em sorrisos, que não eram falsos, posto que eram reflexos da alegria maior de alguém. Mas no fundo, bem no fundo, ali dentro, onde ninguém a via, morava uma dorzinha chata, um espinho que não conseguia arrancar... era quase de estimação.