Visitas da Dy

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Autorretrato II




Pinta os cabelos de vermelhos só pra combinar com as suas unhas e o seu coração. De tanto se esforçar, se assemelha a Sísifo, rola, diariamente, a sua pedra morro acima e a vê rolar para o início impiedosamente, ignorando o seu trabalho que terá de recomeçar.
Quer carregar o mundo e pouco importa se será nos braços ou perdido dentro da enorme bolsa tiracolo – quase um universo paralelo – inseparável. Gosta de abraços e quer abraçar o mundo seja com os braços ou com as pernas. Quer fazer de tudo um pouco, já que o contrário não a satisfaz.
Tem olhos famintos, desejosos de conhecer e captar todo o mundo e suas belezas. Talvez, por isso, tenha tanta pressa. Apronta-se veloz e sai em disparada. Tropeça, se indigna, cai, aprende, levanta, volta a andar e corre: o tempo não para e ela não quer ficar na estação por muito tempo. Sabe bem que a chegada e a partida têm hora marcada e entre um intervalo e outro há vida. Isso ela não pode perder.
É sedenta. Queria poder tomar todas as dores do mundo, acabar com o sofrimento, tirar daqui todo o gosto amargo. Piedade, compaixão ou só mesmo predileção? Não sabe responder... Mas gosta de tudo aquilo que beira os limites e o amargo beira o seu limite de paladar seja ele físico ou o da alma. Gosta do amargo porque ele faz o mel ter uma doçura mais suave, mais bem saboreada, mais sutil em sua língua, para que essa saiba medir as suas palavras, saiba deixa-las mais leves e menos ferinas.
É criativa e criadora. Tem muitas ideias! Planeja cada detalhe e muda de ideia no próximo minuto. Muda o rumo, troca a roupa, passa a música e desiste do filme preferido. Cria o seu próprio mundo e coloca personagens que lhe são importantes em papeis mais importantes ainda, sem que eles mesmos saibam. Sonha com um final feliz, mas nega isso. Nunca se assumiu romântica, não brincava de bonecas e nem se vestia de princesa. Na verdade se diverte quebrando os paradigmas, fugindo de tudo que seja cor-de-rosa e de músicas suaves, mas permite-se ao lilás, aos tangos e às Trois Gymnopédies.
Assume que é forte e ninguém sabe, mas ela chora nas madrugadas. Banca a durona e ri até a barriga doer. Não tem medo de escuro, mas gosta de segurar a mão de alguém quando vai atravessar a rua. Não gosta de silêncio, mas grita silenciosamente, esperando que alguém a ouça. Faz-se de fortaleza, mas desfaz-se a cada onda que visita sua praia, misturando-se às espumas e ao vento.
Já jurou solenemente que não fazia nada de bom. Já orgulhou-se  grandemente por um feito. Já prometeu e cumpriu mesmo quando o esforço lhe doía, mesmo quando a alma sofria, porque mais importante que sua dor é a sua palavra.
Desenhou o seu castelo, traçou o seu caminho e por ser impulsiva jogou tudo pro alto. Sequer ajuntou os papéis. Deu vez à preguiça, ao ócio e escreveu. Perdeu-se em linhas e mais linhas, transferiu para as palavras toda culpa que sentia. Mostrou-se nelas deixando a carne à mostra, mostrando seus ocos, seus vãos e esperava, quiçá em vão, que alguém a conseguisse interpretar, como um livro esquecido na estante empoeirada do tempo.
Escreveu a sua história esperando um grand finale que se perdeu pelo caminho ou foi desfeito pelos seus próprios tropeços e atabalhoamentos. Não desistiu. Seguiu e segue como caminhante à beira da estrada, observando os outros passantes, observando os seus próprios passos, procurando por rastros que a interesse.
Ela é faminta. Tem fome de conhecimento. Devora livros. É insaciável. Come vorazmente dezenas de personagens a cada nova estação. Faz dos autores as suas sagradas companhias de cada dia na casa vazia, deixando-se perdida no quarto dos fundos ou jogada em sua alcatifa, rodeada pelas almofadas. Queria morar dentro de um livro, pertencer a tantas páginas quantas fosse possível, por isso escreve.
Gosta de cozinhar! Tem nas panelas os seus cadinhos. Faz dos temperos uma alquimia. Acha mágica a transformação da comida e brinca com novas receitas que ela mesma inventa. Novos sabores e descobertas, delícias de quem aprecia detalhes.
Busca motivos para sorrir e os encontra. Tem o riso frouxo, largo e divertido. Ilumina o rosto  com o sorriso que é tanto e branco. Mas chora. Vê os dias passarem nas folhinhas dos calendários e não se reconhece nos números perdidos. Perde o sono nas madrugadas e não consegue acordar cedo. Atrasa-se com a frequência de quem não se prende a horários e queria um dia com mais de vinte e quatro horas. Muitas vezes queria parar o tempo, só para não ver o fim de um dia.
É boa de conselhos: arruma e desarruma o problema de qualquer um, menos os seus: “mas eu nem tenho problemas!”, ela diz. Mas sabe que lá no fundo há questões pendentes. E para essas questões há esboços de soluções, planos infalíveis e coragens momentâneas que se esgotam com a brevidade de 3... 2... 1... e já desiste. Assume-se covarde, mas corajosamente paga o preço de suas escolhas, guardando consigo segredos e silêncios, degredos que ela já imaginou ser a sua salvação.
Perde-se nas mesmas velhas músicas, encanta-se com os mesmo velhos amigos e experimenta um vinho novo. Compra vários sapatos e afirma não ter nenhum que combine com a bolsa. Repete os mesmo modelos de vestidos e diz não ter um preferido.
Não ouve música. Sente. Deixa a melodia e a letra entrarem por seus poros. Foi feita de poesia. Gosta do cabelo ao vento, mas os deixa mais crescer. Acostumou-se com a praticidade dos fios curtos. Dança como menina, mas é forte como mulher.

Sente-se cansada, pensa em desistir e desiste. Desiste de desistir! Corre, luta contra o tempo e tira forças de dentro de si mesma. Acostumou-se com o tédio dos fins de semana e a solidão noturna. Fica acordada enquanto todos dormem e acha lindo ver o repouso alheio. Emociona-se com o barulho da respiração. Entende o milagre da vida nessa hora e faz uma prece em nome de quem ama, velando o descanso, o sono, os sonhos. Diz-se bem como está, acha que o mundo anda mal, dá a sua palavra que seu destino será solitário, mas escreve coisas de amor.

domingo, 19 de maio de 2013

Arcana*





Por mais que pareça feliz, que em sorrisos me deleite,
Há aquelas horas de silêncio, de vãos, de não ter você aqui.
O sono não vem, não importando, sequer a hora em que me deite.
Fico pensando em como seria recomeçar essa história a partir daqui.
Quisera eu, flor, desabrochar ao meio-dia.
Pudera eu, boca, falar-lhe em verso e prosa,
Desfazer-me dessa solidão que me vem tão fria,
Por mais que esteja em companhia maravilhosa.
O que trago no peito é arca sagrada, cofre de marfim,
Que guardam palavras que são só suas,
Que encerram amores de um sem fim,
Mas que guardados foram, em segredo, por muitas luas.
Oh, dono de meus pensamentos,
Triste é sonhar com seus olhos, desejar seus beijos e não tê-los.
Doloroso é sussurrar seu nome aos ventos,
Chamando-o, mesmo certa de que não cederá aos meus apelos

Dedicado à história de uma amiga, que como tantas outras tem um amor secreto.
(*Arcana = Segredos)

sábado, 18 de maio de 2013

Arauto





Às vezes gosto de enganar-me:
Faço poses de quem tudo sabe
O que me vem à cabeça sempre é dito,
Ganhando força em meu lábio bendito.

No fundo sei que minhas palavras não são perfeitas.
Mas pouco me importa se não serão aceitas.
Faço uso de toda a minha liberdade:
Ouso falar, gritar, romper a comodidade.

Imponho-me buscando meu lugar no mundo
Dou asas ao meu pensamento fecundo.
Se agrado ou desagrado, não é de minha alçada.

Sigo sendo fiel a tudo o que sinto.
Calar seria perder-me em um labirinto.
Calar seria negar minha natureza apaixonada.

Penejar




Ah, quando escrevo são minhas mágoas,
Fios embolados de um novelo.
Escrevo e livro-me delas como na água:
Afogo-as em um leve desespero.

Escrevo sobre as minhas dores
Para libertar-me de toda ansiedade.
Apego-me às palavras como a meus amores
E ao final de cada texto, já sou só saudade.

Escrevo porque trago o mundo em meu peito:
Porque o sinto vasto e belo e tanto.
E com as suas paisagens meu olhar é cheio:

Quando ele transborda, rola-me o pranto.
Verto lágrimas frias de sal
Que carregam em sai a beleza de um cristal.

Desfiando horas




Ver o tempo correr.
É isso o que mais tenho feito.
Não é por falta do que fazer.
Não é por não gostar de nada.
Ao contrário, faço por gostar.
Desfiar as horas e jogá-las ao vento
Nada mais é do que um prazer.
E essa atividade enche-me de contentamento.
É como se o cair das horas
Funcionasse como renovo de sonhos e esperanças
Penso que a cada volta que os ponteiros completam
Fossem suas pernas com passos lentos,
Decorando cada detalhe do caminho de casa.
Rompendo, suavemente, o limite entre o real e o meu pensamento.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Gris



Foi como se tivessem cortado as amarras. Todas as amarras. De repente ela se sentia meio frouxa, com muito espaço, tendo liberdade para esticar os braços sem esbarrar em ninguém, podendo virar-se para todos os lados sem ter que tomar cuidado para não empurrar pessoa alguma.
Há muito tempo ela sentia-se presa por laços invisíveis e quase infinitos. Era uma quase dependência da presença, do afeto, do sorriso e das canções. Sabia-se livre, mas não sentia a liberdade. Sabia-se solta, mas teimava em não tirar os pés do chão. Sabia-se leve, mas não ousava dar mais do que dois ou três passeios na lua, olhando as estrelas.
Naquela manhã de inverno, gelada como o sembrol, ela caminhou devagar a até a sua janela olhando o vazio. Viu algumas folhas dançando com o vento que anunciava chuva e resolveu tomar uma xícara de chá bem quente.
Cada gole descia-lhe pela garganta aquecendo-a como brasa. E como se fosse uma nova criatura entendeu que por mais que os caminhos se cruzem, raramente as estradas seguem alinhadas uma ao lado da outra.
Desvencilhar-se do que lhe já era habitual era doloroso. Era como se equilibrar no fio de uma faca afiada: ou lhe cortaria os pés ou pularia para fora do penar. Ficar equilibrando-se no rumo do incerto só lhe traria marcas nos pés, dores, um pouco de superação e o gosto pelo desconhecido. Saltar desse caminho poderiam lhe trazer as mesmas sensações, mas com outras possibilidades, novas visões.
Talvez os dias ficassem cinza por algum tempo. Talvez ela fosse tomada de um amargo no canto da boca que lhe impediria de sorrir mostrando todos os dentes, com felicidade plena. Talvez passaria noites acordada, elaborando teorias do tipo “e se...” só pra passar a insônia. Talvez nada disso acontecesse e ela só demorasse um tempo para transformar tudo o que sentia em uma saudade dessas gostosas de se lembrar porque tinha a certeza de ter vivido cada momento. Talvez seria tudo só um talvez. E ela detestava o talvez.
Abriu um livro, acendeu um incenso, olhou pela janela. Pegou um cobertor e entregou-se de corpo e alma ao Walter Scott, sua companhia naquele dia gris e frio.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Anjo de Guarda



Anjo que me guarda,
Que conhece meus caminhos,
Que protege meu coração,
Seja companhia nessa noite.
Seja calor no frio do sembrol.
Seja calmaria no meio de minha tempestade.
Você que tudo sabe, oh, anjo de guarda,
Abra seus braços em conforto,
Acolha-me em sua fortaleza.
Fale-me com sua voz firme,
Inunda-me com sua sabedoria.
Anjo que me guarda do mundo,
Direcione meus sentidos.
Prenda-me em seus abraços.
Mostre-me o melhor caminho,
Alivia todo medo, dúvida e incerteza,
Dando-me a certeza de que os meus passos
Serão sempre acompanhados pelos seus.
Assegurando-me que sempre vai estar aqui,
Lá, acolá, onde eu for,
Porque sua missão é de ser meu protetor,
Meu guardião, meu companheiro.
Anjo que guarda meus sonhos,
Guarda-me de mim mesma,
Toma-me em suas mãos.
Leva-me para onde os ventos são suaves,
Para onde minha estrela brilhe,
Para onde haja felicidade.