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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Gato Escaldado




Era gato escaldado. De tanto quebrar a cara, já diagnosticava tudo com antecedência. Pulava antes do tombo, caia de pé, mas sentia o baque. À noite não era pardo, mas negro. De sombras. De dia, preguiça, malandragem, ginga e observação.
Atrás do que desconhecia, atrevia-se até o limite de segurança, podendo ir mais além se fosse conveniente.
Há tempos não ia.
Divertia-se em fazer de ingênuo, em pôr-se em adoção e depois fugir do lar que lhe foi dado.
Não era questão de ingratidão. Era se-gu-ran-ça. As casas ofereciam segurança demais. E isso deixava qualquer gato cansado. Ainda mais se esse tivesse a liberdade como lema.
Para as suas vontades um ou outro pulo bem dado resolvia, entre muros e varandas, contemplava céus de brigadeiro, estrelas distantes ou se balançava calmo nos poentes. Na verdade mudava com o vento. Era folha solta seguindo seu rumo.
Não temia a água fria, dizia. Era precaução. Tampouco as novidades. Era só um resguardar-se. Era a vantagem de ser escaldado. Não perdia a elegância, não deixava transparecer os medos. Dizia, aliás, que eles haviam sido afogados.
Escondia-se atrás de suas sombras e as misturava muito bem às sombras noturnas, preferindo sempre madrugadas a dias de sol a pino.
Era gato escaldado e solitário. E dizia-se feliz assim. Não era. Quando via a sua silhueta imersa nas várias sombras experimentava a sensação de ser no outro e queria, no fundo, ter com quem misturar-se.

Era escaldado, tinha suas mágoas e criara um personagem que não servia mais. Não conseguia enganar-se, mas não desfazia-se da pose de que se bastava. Um dia, quem sabe, assumiria que mesmo um gato escaldado sonha sob as estrelas e que tem desejos de além.

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