Não morava em
Pasárgada. Não era amiga do rei. Nem sonhava noites longas e quentes, muito
menos em ir para lá de Bagdá.
Era comum. Como
todas as outras milhares de pessoas com as quais cruzamos os olhares nas
infindáveis esquinas que atravessamos.
Só havia uma diferença. Uma certa filosofia
que brotara em sua cabeça naquela manhã, como essas ervas daninhas que sufocam
a planta boa, essa ideia recém-chegada à cuca ia sufocando os outros
pensamentos.
Era uma ideia
de liberdade. Na verdade de deixar ir. Trânsito livre, porta aberta, sinal
aberto, corda sem nó, portão sem trinco, cadeado escangalhado.
Coisa de quem
ouve música nova no meio da madrugada. Coisa de quem pensa diferente do resto
do mundo e que fica matutando sobre os seus próprios botões.
A ideia nova
era a de que quem deixa ir vive mais, melhor e conquista vitórias que são pra
sempre. A ideia era deixar-se ao sabor do vento, das marés, das horas, segui
olhando para frente, buscando os faróis longínquos.
Para as velas
que são abertas, o vento só pode trazer novidades! E pensou-se uma embarcação,
dessas que parecem estar à deriva, mas que sabe bem onde quer chegar. Que tem
como meta pousa lá na linha azul entre céu e mar e segue.
E, agora que se
assumira como embarcação, podia repousar nas bordas de si e olhar para o lado,
descobrir as obviedades cotidianas que não percebia. Podia ver que em certos
momentos era necessário velar, de leve, certas evidências, só pelo prazer de se
buscar, só pelo alívio do deixar de lado, da despreocupação.
Agora que
podia desfrutar das paisagens, deixando-se ir, esticava-se na ponta dos pés para
olhar para mais adiante, onde o vento fazia a curva, onde os planos esperavam
dobrados sobre a mesa.
Traçava planos,
mas deixava-se ir, aos sabores do mar em que navegava, aceitando sua condição,
seu tempo, seu ritmo, libertando-se de todos os rótulos que pudessem lhe
prender, limitar, atrofiar.
Ser embarcação!
Deixar ir para sempre ter! esticar-se na ponta dos pés e contemplar os dias
vindouros despreocupadamente, bebendo a vida gota a gora. Ideias recém-brotadas
na cabeça, filosofia de vida, de mar, de além.
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