Eu era sua
poesia, assim como você era a minha inspiração. Respiração cadenciada, calma,
cheirosa como a terra molhada, onde sua semente de beleza era espalhada a cada
passo seu, flor de lis que desabrocha o ano todo.
Contemplava
seus passos de bailarina do vento, leve, solta, livre como asas sobre o mar tão
azul que se confundia com o céu dos sonhos de Ícaro, tão desesperador quanto as
agonias de Dédalo, tão necessários quanto o toque suave da seda sobre a pele
nua, se é que a nudez necessita ser coberta.
Ouvia atento
suas histórias, sabidas de cor por nós dois, mas incrivelmente inéditas aos
meus ouvidos a cada nova contação. Seus lamentos não caberiam em nenhum muro,
não porque fossem muitos, mas porque eram mudos, breves, quase indignos de
serem chamados de sofrimento. Seu choro era quase como o canto da avezinha
noturna: piado tímido e baixo, calado com beijos que eu trazia nas conchas das
mãos.
Pequenina,
conservava o tamanho dos gigantes dos tempos idos: de força e beleza
incontáveis aos meus olhos. Fantasticamente condensando todos os tamanhos do
mundo em sua altura mediana. Incrivelmente comum e bela, como os milagres
cotidianos que não notamos.
Sufocava-me
com abraços inesperados e beijos jogados ao léu que eu me esticava para pegar. Dona
de si e de mim. Dona da minha respiração, dos meus suspiros, de minha devoção,
mas sufocava-me mais quando se fazia ausente de meus dias, entristecendo os
meus eternos domingos ensolarados ao seu lado.
De suas mãos
eu sentia-me prisioneiro, curiosamente livre e cativo, paradoxos de quem vive
as delícias de um amor indizível, que não tem pátria porque não cabe no mundo,
que não anda porque as pernas seriam poucas, então, voa. E provoca-me vertigens
em seus volteios. E sacia-me com seus ares novos a cada amanhecer.
Eu, que era
sua poesia, descrevia-lhe poeta, dona das palavras que eu não saberia
arquitetar. Dona de dons intangíveis por aqueles de pouca sensibilidade e
apenas imaginada por quem se julga sensível. Eu, escrito por suas delicadezas,
história de fazer felizes, sem necessariamente ter um final, de capa a capa
intraduzível, a menos que o fosse por seus olhos, sua língua, sua versão.
Eu, contado de
tantas maneiras diferentes, precisava despir-me diante de suas linhas para
encontrar-me. Via-me tanto como em um espelho quanto em um caleidoscópio, com
brilhos, cores e formas espetaculares, que só era inteligível pela amada.
Eu, tão comum,
era raro para ela. E isso mudava o rumo dos capítulos da história que eu
pensara em escrever, porque permitira, um dia, que ela assumisse a pena, sem
penas, mas com toda leveza, para escrever cada um dos meus dias vindouros,
linha a linha.
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