Entre saltos
altos e livros, sou fútil e sensível. Beijo a poesia e declamo a flor com o
mesmo vermelho nos lábios. Quase vício. Quase rotina. Quase prece decorada.
De ventos e
tempestades, calmarias e ímpetos, sou violentamente delicada, violetamente
magoada pelas dores que nunca experimentei, como as florezinhas que tenho no
vaso. Azuladamente tranquila nas ansiedades das flores de maio no mês de
novembro.
Superficialmente
absorvo os silêncios e os converto em lástimas de tudo o que se perdeu
empurrando garganta abaixo, tudo o que foi bebido à seco, tudo o que de tão mal
chegou a fazer bem: faz parte do processo esse exercício de conversão.
Nobremente
sufoco os sentimentos vis, metamorfoseio minhas sombras em tons iluminados,
escondendo meus espinhos dentro de minha própria carne que sangra tons
alaranjados de alegria gratuita a cada novo nascer do sol, à espera de que o
verde das indecisões amadureça e floresçam jardins de sabedoria.
Ainda há canteiros
de terras transparentes em mim, esperando os florescimentos multicoloridos das
auroras boreais de bocas cujos céus esperam por eclipses de beijos.
Sou de emoções
que nem sempre permanecem, entre a continuidade e a ruptura, sou passo dado no
abismo, sou a busca pela explicação exata do que é a substância que compõe a
alma. por mais que saiba que nem tudo se explica, que a interrogação nem sempre
se refaz em exclamação.
Sou
tendenciosa a seguir as pistas, acreditar no que está escrito ou no que foi
dito, impaciência natural de água de rio que afoga as pedras do relevo e
serpenteia como criança birrenta pelos vales e se joga, atrevida, de altos de
morros, com cabeleira-queda-d’água ao vento.
Em noites de
lua alta e muito calor, o desassossego deixa de ser livro de cabeceira e assume
seu lugar cativo no peito, crescente como sonhos de Oriente, curioso na
fronteira do que era o sim ou o não, escorregando nas curvas de toda
interrogação.
Tudo me
prende, nada me interessa e se interessa e sacia, é finito. E se é finito,
desmancha e nada sobra. E os laços do novo são frágeis, quase transparentes a
quem não os compreende, e os desamarro mais pelo prazer de desfazer o pacote do
que pelo apreço de guardar o conteúdo.
Transbordo
tudo o que vejo e esvazio-me do dom de errar: sejam pelos caminhos pelos quais
tento me encontrar, sejam nas respostas que ouso dar. É quase como brincar de
ser camaleão e camuflar-me nas curvas do caminho.
Fixamente
observo o além-mar-montanha-horizonte, decorando as entonações que cada poente
recita aos meus olhos e para todos aqueles que não entendem, recolho os fios
das meadas emboladas, teço rede amarrada em nuvens de pensamento e repito os
versos que nunca decorei: são os preferidos e por isso devem ser redescobertos.
E poucos entendem essas explicações.
Descrevo os
arabescos de meus sonhos com palavras entremeadas, paisagens fotográficas,
arquiteturas mouras de meus devaneios desérticos que contemplo sem fronteiras
entre o ouvir, o ver, e o falar, porque sou um completo descaminho de
caravaneiros que não teme as tempestades de areia e nem a falta da lua, ao
contrário, se rende a ela em cada uma de suas fases.
Repito-me
sempre. Sou mais do mesmo, mas nem sempre a mesma, paradoxalmente. Há mudanças
nos detalhes. Nos mínimos. Só olhos atentos percebem. Só a eles me revelo, se é
que revelo.
Faço as mesmas
perguntas várias vezes porque esqueço as respostas e divirto-me com as mesmas
piadas. Essa é a leveza de dente de leão na imensidão azul que eu quero ter a
partir dessa hora, que marca um novo início para todos os meus dias.
Gosto de
sentir com os olhos, ver com os ouvidos e ser tocada pela língua, falada e
quente. Gosto de ver as cores das pessoas. As cores que elas imprimem em si
mesmas quando contam seus segredos, quando dão um bom dia, quando não sabem o
que fazer ou quando estão perdidamente enroladas nos sabores de suas próprias histórias.
Gosto de falar, mas também de observar e um tanto de ser observada, enigma
decifrado.
Gosto, ainda de
pensar que, no fundo, eu sou uma narrativa complexa, de palavras simples,
delicadamente organizada por dedos caprichosos que esqueceram as notas de pé de
página, que ajudariam qualquer leitor, muito mais pelo prazer de ver as caras e
bocas de quem lê do que de ajudar o texto-eu a ser compreendido. Gosto de
pensar que tenho momentos de prosa e verso, que tenho dias de rima e outros de
falta de nexo, que às vezes sou abstrata e, em outras, concreta, sou idas e
vindas e esperanças. Sou livro de cabeceira de escritor inquieto: nunca
finalizado ou completo.
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