Passa da
meia-noite, eu sei. Alguns gatos fazem bagunça no telhado, um cão late ao longe e eu, que abri uma
cerveja bem mais cedo, vejo as bolhas subirem pelo corpo da garrafa sem o menor
interesse.
Há um tanto de
coisas por fazer, escrever, ler, arrumar, mas eu prefiro estar pairando no nada
como agora, como uma densa fumaça que nem vai, nem fica, só existe, sem ação,
sem cuidado, sem porquê.
É meia-noite,
mas não me cabem metades. Nenhuma delas. Meias palavras, meias vontades, meias
desculpas, então, é que dispenso mesmo. Por aqui só a hora dessa noite é meia, por
seu nome, porque a mim afeta por inteiro.
Por aqui a dor
é inteira, como já foram inteiros os sentimentos, as músicas, os desejos. Hoje são
inteiras as sombras que enchem o quarto e o desinteresse por tudo o mais que me
cerca.
Não é que eu
tenha me transformado em algo frio ou insensível. É justamente o contrário. É por
sentir demais que me cabe só o que é inteiro. É por ter recebido só uma coleção
de meios termos que hoje me reservo isolamentos e silêncios.
Eu não sou um
ser de sombras. Ao contrário, sou uma espécie de ser que guarda luzes, mas que
parece ter esquecido a hora certa de se expandir em claridades e, agora, espera
que haja uma nova chance.
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