Visitas da Dy

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Brumas





Eu já estava acostumada com seus silêncios longos, mas gostava mesmo do som da sua voz. Aceitava a negação do som de suas palavras como se fosse a única alternativa de compreensão.
Convencia-me de que a distância era um respiro, uma necessidade vital. Eu definhava saudades. Mas parecia feliz: a sua ausência era a presença mais constante que eu tinha. E aquela foto na cabeceira.
Eu já estava acostumada à espera da palavra escrita que rompia a barreira do não-som. E eu sentia vontades de bailarina diante do texto que ganhava a cor e o tom que eu dava.
Eu perdi a conta dos dias. Esqueci do som que tanto me aprazia. Esqueci o rosto, o gosto, o sonho e o sono em algum canto de caixa empoeirada na sala. Esqueci tantas outras coisas que nem as horas importavam. Os vazios diminuíram e algo, antes rompido, foi reconstruído de modo mais fechado, mais cuidadoso, apreensivo, até medroso.
Esqueci o toque do telefone, a música preferida, os versos que compus. Passei a gostar do silêncio e a contemplá-lo como dádiva.
Mas quis a sorte me testar e não houve palavra escrita, mas dita, naquele dia de chuva e frio e conheci na voz que antes me afagava o fino corte de navalha.

O silêncio rompido estilhaçou-se pelo chão e junto, não nego, atordoou-me o coração. Que fazer diante do susto, do espanto, do assombro? Aceitar que nem o silêncio nem a dor eram velhos o bastante para terem morrido. Aceitar que só muito aos poucos é que o tempo tem eficácia e conviver com as brumas do passado que ainda visitam o presente.

0 Comentários:

Postar um comentário