Visitas da Dy

terça-feira, 25 de julho de 2017

Kairós



Vira o relógio a página do calendário.                       
Arrastam as badaladas um tanto de anos                       
Há quem se importe com a medida do tempo                       
Há quem se importe só com a qualidade do tempo                       
A mim bastam as pessoas que conheço ao longo do tempo:                       
As histórias tantas,                       
As risadas frouxas ou brandas                       
Os abraços pra lá de apertados, de consolo, de afeto, de transbordo                                               
A mim importam os amores todos
Ainda que tenham sido poucos
Ainda que tenham sido apenas meus
Existiram e hoje repousam em meus sonhos.
Há amores que só existiram para virar poesia.
E eu sou domadora de palavras,
Colecionadora de versos,
Cuidadora de amores vãos,

Contando as voltas do tempo

sábado, 22 de julho de 2017

Alcance



Se pudesse te provar,
Seu lugar seria minha cama:
Ninho aconchegante de histórias.
Experimentaria suas palavras direto da fonte,
Colhendo de sua boca bem mais que promessas.
Se fosse para provar algo, começaria por seus contornos
E a beleza de sua silhueta na sombra:
Mapa de rotas desconhecidas
Só desvendadas pelo toque,
Só possíveis pelas pontas de meus dedos.
Se pudesse lhe fazer coisa-minha, seria paralelas:
Desde as retas que se cruzam
Às pernas nas quais me embolo
Porque ambas são caminhos:
E eu que não sei por onde ando,
Só tenho ciência de onde quero chegar

E você é o tempo-espaço-lugar que eu gostaria de alcançar.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Inverno




Não basta o frio da estação que castiga meu corpo, preciso lidar com as outras frentes frias que me paralisam. Para as baixas temperaturas combino um cachecol com uma meia surrada, um moletom com um jeans e a calça de pijamas por baixo. Uso luvas e touca. Bebo um café. Vários ao longo do dia. Rogo uma praga. Maldigo a estação e desejo o verão, mesmo sabendo que o logro se repetirá, também, contra o sol.
Baixaram-me as temperaturas dos sentimentos e já não os sei distinguir no necrotério-coração. São corpos gélidos e pálidos sobre a mesa do que fui, forrada dos planos que nunca completei.
Não adianta sobrepor o fio de vida que ainda me resta a essas vãs esperanças que ainda teimam em suspirar. Estão agonizando, eu sei. Assim com eu, elas tremem de frio.
Dos calores de outrora, não tenho, senão, lembranças... O coração-fornalha se acendia ao menor sinal do amor, espalhava suas brasas pelo meu rosto, atravessava-me a espinha com um vigor que me estremecia. E eu era pouco menos que uma incandescência de intensa felicidade...
Hoje, creio que arrasto correntes, conto os cubos de gelo no copo cheio de uma bebida qualquer. Reclamo do frio e me valho desses alcoolismos baratos para aquecer não sei o quê, já que eles entorpecem o que já nem lembro ou será que revivem o que eu penso ter esquecido?
Tremo com a melodia do vento em minhas orelhas no caminho para casa. Mordo os lábios queimados pelo frio e esfrego as mãos. Volto a lembrar de quando as mãos tinham outras entrelaçadas. Sorrio sem motivo. Bebo mais um gole da lembrança perdida.
Quero morder um pedaço inteiro do mundo, mastigar as pessoas que me aborrecem. Beijar as que quero bem. Quero engolir aos montes um sem fim de sentimentos para que me reaqueçam. O coração dá sinal de vida. Parece reaquecer a parte de mim que estava esquecida.
Não lido bem com esses meus rompantes sentimentalistas, mas gosto do calor humano que vem de mim e que recebo dos outros quando sorrio. Ganho um bom dia e as coisas começam a ganhar sentido.

O que me faltava era um fiapo qualquer de reciprocidade que encontrei no espelho-vitrine que olhei e de onde veio o sorriso-reflexo. O que me faltava era reacender em mim a chama que sempre fui. Talvez eu volte a ser incêndios. 

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Falta de Tempo





Eu não coube naquela sua camisa branca, bem clichê, como um filme. Não deu tempo... Estava ocupada sendo de verdade, sem roteiros, sem palavras ensaiadas.
Eu não acordei antes de você e me arrumei toda, para parecer perfeita. Às vezes engano a insônia e durmo até perder a conta do dia e fico ali descabelada mesmo, perdida entre o travesseiro, o edredom, os sonhos e seu cheiro.
Eu não beijei seus olhos antes de dormir desejando que a luz nunca lhe falte, nem me preocupei em lhe cobrir o corpo se não com o meu corpo.                                  
Eu não levantei devagar e preparei seu café da manhã, nem beijei sua testa para guardar seus planos e lhe despertar para os sonhos.
Eu não fiz de sua cama meu oásis, nem experimentei delícias que tivessem sido feitas por você. Ali só nós éramos os manjares.
Eu não fui surpreendida por um beijo seu invadindo meu pescoço e roubando meu norte. Não sei bem se faltou a bússola ou o beijo.
Eu não lhe contei o meu dia nem perguntei do seu. Não fiquei ansiosa pela sua chegada, nem me olhei várias vezes no espelho orgulhosa e feliz (e até duvidosa) de ter tido a sorte na vida de encontra-lo.
Eu não ouço a sua voz quando sinto saudades, nem sinto seu cheiro na minha roupa, nem seu gosto mora mais em minha boca, nem os caminhos de sua mão no ritmo do meu quadril eu me lembro. Faltou-nos tempo.
De alguma forma, fomos breves instantes sufocados pelo inexorável tempo que previmos longo, mas nos faltou.
Eu não coube em lugar nenhum que poderia ter cabido. Nem aqui, do lado de fora, tão frio pela estação, nem aí dentro, abrigo negado.

Eu não também fui o convite irrecusável ou a pauta acolhedora. Fui pouca areia nessa ampulheta. Você foi pouco tic nesse tac. Fomos falta. Somos falta. Um tipo comum de solidão (a dois) nos dias que chamam de hoje.

domingo, 16 de julho de 2017

Miragem



Longe dos sóis que refletem nas areias e devolvem imaginações também se constroem castelos voadores, de sonhos ou esperanças, de tijolos dourados ou sólidos sentimentos.
Dentro da multidão, cercada de toda uma gente com a qual não me reconheço, atravesso meus desertos. Não tenho um mehari. Vou por minhas próprias pernas e canso.
No mormaço de mais um dia, foi você miragem minha. Não era o desejo realizado, mas aquele que carrego contido. Era algo entre o que espero e o que quero, algo entre o movimento e a evaporação dos sentidos.
Se deixo de contar minutos e passo a colecionar horas, não diminuem as areias de meu tempo, só reinventam-se as minhas fantasias vazias, só reverberam os ecos de minha voz nas curvas do deserto de concreto que é essa cidade.
Não caminho com ares de tranquilidade, são ares de desilusão, ares de quem bebeu o rio até secar e agora contenta-se com a vaga imensidão.
Se pareço dominar as palavras, saiba que são embustes, enganação. Não sei sequer esconder uma intenção e pago o preço de ouro de quem ainda estima a palavra, de quem a crê concreta e fiel.

Ainda ando pela cidade, mas já carrego um deserto no coração. Vagueio e sou eu também uma miragem.

sábado, 15 de julho de 2017

Tropeços




Estou esperando já há algum tempo. Tenho impaciências de quem cria raízes, mesmo tendo nascido pra ganhar o mundo. Ainda assim espero pelos seus passos que virão em minha direção.
Eu sei que vai valer todo esse tempo aqui parado. Eu sei só pelo ritmo que seus pés dão ao chão, numa dança silenciosa que só o ar consegue sentir de fato.
Aguardo a sua chegada para me morder os sentidos, mastigar o pouco juízo que ajuntei nesses anos. E será por esses seus dentes brancos, tão brancos quanto a paz que sinto ao seu lado que verei a luz no fim de todos os meus túneis. Essa luz que magicamente irradia de seu sorriso largo, pobre de Mona Lisa!
Sou esperas e bebo saudades e agonias tantas que pouco saciam as sedes que tenho de suas águas claras, de exageradas quedas que eu arriscaria ter em você.
Senhora dos caminhos, abre alas e espaços com o embalo de seu vestido que seja lá de que cor se pinte, representa as chamas de um fogo ancestral que lhe move e a faz quase pairar pelas horas.
Senhora do tempo, domina instintos tantos que o mais selvagem animal se daria em montaria, para, como andor, carregar a dama dos ventos que agita meus pensamentos e acalma minha alma no leve toque de seus dedos.
Senhora de vontades, não sabe o que é a espera. Faz seu o tempo. Rompe as barreiras com seus beijos. Tem nos braços o acalanto e a força que a coloca como caçadora e feiticeira, que tece o dia como quer e me tem à sua sombra tão logo se faça o meu sol.
Senhora dos temperos, é o sabor dos ventos que me tocam a pele. Conhece as intensidades e por isso dita como os passos devem se encaminhar. Aplaca as pressas. Move-se devagar, mas saber a hora de acelerar. Sabe o sopro do dragão e o sussurro dos anjos e pode, soberana, fazer-me de seu súdito ao alcance de suas mãos, sujeito a um tropeço em suas palavras ou à queda em seus olhares profundos.

Passagem de ida para tantos desconhecidos que se vestem de cotidiano. Amarras livres de nós, que só se conjuga quando quer. Desconhecida noite vencida pelo raiar do sol, mas com essências de lua tão profundas quanto suas raízes com os sonhos que povoa. Fada da das horas que conto à sua espera. 

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Dente de Leão



Na falta do chão, costumava voar. Quando pequena, os pés balançavam longe do chão, em qualquer cadeira que lhe fizesse princesa. Depois voava em tapetes, para mundos nos quais reinava absoluta entre suas palavras.
O chão, na verdade, nunca lhe coube. Mesmo depois de crescida, parecia evitar raízes. Não pela profundidade, porque se expandia ao contrário, para os céus, mas pela fixação a um lugar. Gostava de ser como a água, tão fluida como um balé bem encaixado na música. Gostava de sair do lugar.
Quando cansada das suas lutas, olhava para si mesma, no espelho e tinha nos olhos longas estradas e ela ali parada, diante dos caminhos... Às vezes chorava: a lágrima-rio que lhe cortava o rosto, passava por baixo da ponte em que ela-menina se observava.
Era ela a paisagem e a observadora. A margem e o rio. A estrada que encontra o céu, não importa o quão longe isso aconteça, porque aprendeu a não medir distâncias. Aprendeu só a seguir, como puder, como der, como se só o caminho importasse, permitindo-se paradas, mas nunca estagnações, nunca a desistência.

Sabia, lá no fundo, em algum canto do seu olho-paisagem, que as paralelas se cruzariam e que a jornada valeria a pena só por sua leveza, só pelos seus quereres, que, honestamente, nunca foram além das pétalas desfolhadas de um bem-me-quer ou das sementes aladas de um dente de leão.  

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Planos de Papel




No quase frio do quase fim de tarde, os corpos se aproximaram mais do que pelas palavras. Era um consenso que as palavras os havia acorrentado. Coisa desses poderes mágicos das conversas-correntes que nos prendem pelos calcanhares dos interesses mútuos ou nos mistérios a serem descobertos no oposto lado de quem fala.
Eram palavras pouco desenhadas, de uma correria interrompida pela cerveja-pausa do botequim da esquina. Eram palavras de amenidades, perfumarias e bocas, beijos, mãos, abraços.
Ninguém sabe dizer quando tudo ficou tão próximo. Ninguém sabe explicar um endereço indo visitar o outro. Do mesmo jeito que ninguém percebeu o vinho, o cobertor e a imediata vontade de prolongar a noite eternamente até o enjoo ou até o engodo.
Das velozes palavras ao envolvente conforto das pernas entrelaçadas, do querer estar-ficar-e-partir aos obrigados silêncios pontualmente colocados nos horários comerciais da cidade, das promessas de "em breve", de "quem sabe" e planos de papel aos goles de mágoas e adeuses não ditos se não pelas bocas distantes e caladas, caiu a frente fria. Podia ser da estação, mas era verão. Era um frio de coração, um frio de gelar esperanças, congelar sonhos, derreter pelo rosto, dissolver os papéis dos planos.
Agora eram palavras ecoando na memória, mas não tinham sequer a mesma voz. Estava sendo esquecida, assim como o rosto, o sorriso e aquele último toque (despercebido?).

Era o golpe dado das palavras que, emaranhadas, ofuscaram as reais velocidades do que estava posto. Não chegou a ser engodo. Desatenção ou descuidado. Brevidade na melhor das hipóteses. Desilusão nas longas noites até o esquecimento.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Cais




Repousa a cabeça em meu peito, cabendo entre meus braços um universo inteiro.
Não desejo ler seus pensamentos, mas, se pudesse, gostaria de saber quantos abismos já criou e quantos outros cruzou e morreu pelo caminho. Talvez eles expliquem seu medo de seguir adiante.
Gostaria de saber das tempestades que engoliu, dos raios que aparou, dos trovões que esbravejou e das distâncias que se aumentaram a partir das nuvens densamente precipitadas.
Queria saber dos precipícios que lhe juraram voos e que a ausência das mãos fez falhar as asas, fazendo da queda mais dolorida do que poderia suportar. Talvez seja isso que lhe impeça de andar de mãos dadas.
Queria saber das marcas que ganhou e não lhe deixaram cicatrizes no corpo, mas devoraram sonhos e transformaram suas noites em horas insones e em um breu assombroso de cálculos e previsões para que o erro não se repetisse. Talvez seja isso que prenda seus pés ao chão, como raiz de árvore ressequida, com um fio pequeno de seiva sustentando a existência.
Queria saber de onde veio o raio de esperança que lhe cegou os olhos e lhe trouxe aos meus braços. Queria saber se universo que margeio em meus braços ainda pode ser reconstruído ou se já se deu por perdido. Queria saber se hoje sou só travesseiro ou se posso sonhar em ser navio, aquele que deixará o caos do cais para traçar novas rotas nos mares de seu país.

Queria saber se tenho nos braços a partida ou a chegada se apenas durmo ou velo seu sono, tecendo acalantos de porto seguro ou acenando adeuses com um lenço branco.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Meia-noite, Dor-inteira




Passa da meia-noite, eu sei. Alguns gatos fazem bagunça no telhado,  um cão late ao longe e eu, que abri uma cerveja bem mais cedo, vejo as bolhas subirem pelo corpo da garrafa sem o menor interesse.
Há um tanto de coisas por fazer, escrever, ler, arrumar, mas eu prefiro estar pairando no nada como agora, como uma densa fumaça que nem vai, nem fica, só existe, sem ação, sem cuidado, sem porquê.
É meia-noite, mas não me cabem metades. Nenhuma delas. Meias palavras, meias vontades, meias desculpas, então, é que dispenso mesmo. Por aqui só a hora dessa noite é meia, por seu nome, porque a mim afeta por inteiro.
Por aqui a dor é inteira, como já foram inteiros os sentimentos, as músicas, os desejos. Hoje são inteiras as sombras que enchem o quarto e o desinteresse por tudo o mais que me cerca.
Não é que eu tenha me transformado em algo frio ou insensível. É justamente o contrário. É por sentir demais que me cabe só o que é inteiro. É por ter recebido só uma coleção de meios termos que hoje me reservo isolamentos e silêncios.

Eu não sou um ser de sombras. Ao contrário, sou uma espécie de ser que guarda luzes, mas que parece ter esquecido a hora certa de se expandir em claridades e, agora, espera que haja uma nova chance. 

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Palavras em Canetas



Mal cabia em si diante dos novos fatos: não era paixão, mas não era só simpatia. Era uma afeição, um carinho, um querer-bem(perto), desses que ninguém sabe explicar, tampouco lidar.
No pomar da vida, era fruta quase madura. Com uns amassados feitos pelo destino, com umas mordidas feitas pela boca do tempo. Mas, se é que se é possível rejuvenescer, parecia criança em dia de festa: com risos sonoros, sorrisos sem horário ou motivo, pensamentos de "será-que-bem-me-quer?" que brilhavam em neon nos olhos.
E o brilho nos olhos era luz que chegava a incomodar os pedestres que lhe esbarravam: todo mau humor se ressente da alegria incontida e leve. Era cabeça nas nuvens com pés no chão, sonhando raízes firmes e um ninho nos braços, para acalentar bem mais que sonhos, uma história, talvez.
Uma história... que precisava ser escrita, que precisava de personagens. Pelo menos mais um, quiçá, o papel seria de quem agora lhe enchia a cabeça e coração, sobrando nos lábios em forma de sorrisos.
Uma história. Era isso o que estava prestes a começar e, diante das horas, papéis em branco, se fez caneta, transbordando de palavras a serem escritas. Era a própria espera em si: das palavras dentro da caneta, da caneta para deslizar no papel, do papel em branco, à espera sobre a mesa.

Tudo era espera. Tudo era desânimo. Tudo era cansaço. Tudo era nada. E a caneta repleta de palavras transbordou seu azul em mágoas e lágrimas. Mais um livro que não foi escrito. Mais um quase-autor-emudecido. Mais um ser caminhante pelo caminho, colecionando "se" e "talvez". Mais um de tantos coleciona-dores cotidianos, incompreendidos, saudosos do que poderia ter sido.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Nua




Abro mão de toda poesia. De tudo isso que sou e você pouco percebe. Tiro-a de mim da maneira como posso e, nua, me exponho diante de seus olhos.
Falta-me agora que suas mãos me leiam. Que elas não me faltem. Que elas deslizem sobre mim e arranquem essas roupas que pela manhã combinavam com a luz do dia. Prometi não versar. Prometi não ceder à rima que salta aos lábios porque você acha que elas me escondem bem mais que as roupas. Estou nua à espera de seu toque.
Se ouso ser palavra é para caber entre seus lábios e me desejo mordida, leve, mas com ardor.
Se ouso ser som, projeto-me sussurros e gemidos: preces do corpo febril, quase desesperado pelo sim, pelo não, entre suas mãos, minhas roupas e poesias pelo chão.
Se ouso olhares é porque teimo enxergar o pouco de luz que me mostrou, mesmo imerso em sombras de não-me-quer, mesmo quando só experimentei a superfície. Sou mais que olhares. Sou olhos, buscando alguma profundeza sua, algum resquício de entrega, alguma afeição pelo que é belo, para além dessa arma-dura que me oferece. Ouso, em meio às margens que nos colocamos, devolver parte do frio que me lança: espelho que reflete sua retina. Taça cheia à espera de seu gole. Sou pouco menos amarga que a bebida que lhe entorpece, porque meu doce foi desperdiçado ao chão, junto com minha poesia.
Estou aqui crua, bem mais do que nua, disparando tudo o que pede pra receber e, embora pense ser submissão, chamo de coragem, enfrentamento, doação, paixão.
Pediu-me nua. Recebeu-me crua. Terá nas mãos o fogo que me forja? Terá as rédeas que doma minha fúria? Sou de poucas esperas. O caminho de ida é bem mais curto que o da chegada. O tempo é inexorável e sigo com ele, nua, esquecendo-me que já me quis sua.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Fogueira



Ardia desafiando qualquer inverno.
Seus olhos embrasados eram algo entre um desespero e um chamado, dois demônios internos que abrigava sem reclamar. E, olhando fixamente um ponto em meu corpo, era capaz de ser convite e correntes: inegável, envolvente.
A língua de fogo que lhe saltava, ora dançava com segredos ferventes, ora lambia meus limites, incêndios incontroláveis a subir por colinas. Em outros tempos eu não saberia ser entre coxas ou orelhas, entorpecido.
Era uma fogueira de solstício, celebração de vida e vontades de braços longos a me esperar para o derradeiro momento em que tudo pudesse acabar.

Poderia ser eu o fim das febres, água apaziguadora, calmaria outonal, paz branca de domingo, mas diante daqueles olhos eu sabia que toda calma era pouca e inútil. Para ela eu só poderia ser lenha a ser consumida até o fim e, talvez, quando cinza, nos caberia o descanso.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Dignidade





Passou a tarde tentando entender a essência da dignidade humana. Sua estreita relação com o amor próprio, esse valor tão (quase) esquecido e ofuscado pelos refletores das necessidades frívolas.
De certo que, insistir, por vezes esbarra não só nos quereres e vontades, mas na perda essencial de um valor, da auto estima por si mesmo e isso não é algo fácil de lidar quando a cabeça pousa no travesseiro.
Agora, entre o vazio que lhe habitava o peito, como um ninho abandonado, restava um tico de lucidez desajustada pela luz do quarto, sinal ofuscante que parecia dizer: tente outra vez.
Queria tentar. Queria lançar a palavra-convite mais uma vez. Queria dar-se mais uma chance. (Lá no fundo sabia que a chance não era para si, mas uma meia verdade a essa hora nem era caso grave).
Queria a procura ou pelo menos o golpe de misericórdia vindo direto, sem rodeios, sem farsa: as meias palavras não bastavam. Os lábios emudecidos não bastavam. Queria a dor do golpe certeiro e sincero, fosse qual fosse a sentença, a receberia.                      
Era um misto entre o medo da rejeição e outro medo, o do prolongamento vago e sem intenção. Talvez precisasse de uma dose de uísque e um trago de cigarro, mas não bebia nem fumava. Plano descartado.
Talvez um conselho, um livro de auto-ajuda ou uma boa olhada no espelho...
Talvez, àquela altura da vida, perder a dignidade já nem fosse um crime imperdoável e a insistência fosse entendida apenas pelo que deveria ser: vontade. Pensou mais um pouco e escreveu o que bem quis. Ao enviar ao remetente se arrependeu. Era ela, a morte anunciada, a agonizante dignidade estirada pelo chão, à espera de um milagre, de sua ressurreição.
Ainda bem que era uma sexta-feira e, aleluia, o milagre se daria tão logo: ressurgida, a dignidade se recuperaria a passos lentos, mas a sensação de arrependimento ainda perduraria até a nova lua.

Das vontades declaradas, poucas chegam vivas às satisfações: é que tudo é vário, incerto e breve. E queremos sempre mais do que é dado, menos do que merecemos.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Brumas





Eu já estava acostumada com seus silêncios longos, mas gostava mesmo do som da sua voz. Aceitava a negação do som de suas palavras como se fosse a única alternativa de compreensão.
Convencia-me de que a distância era um respiro, uma necessidade vital. Eu definhava saudades. Mas parecia feliz: a sua ausência era a presença mais constante que eu tinha. E aquela foto na cabeceira.
Eu já estava acostumada à espera da palavra escrita que rompia a barreira do não-som. E eu sentia vontades de bailarina diante do texto que ganhava a cor e o tom que eu dava.
Eu perdi a conta dos dias. Esqueci do som que tanto me aprazia. Esqueci o rosto, o gosto, o sonho e o sono em algum canto de caixa empoeirada na sala. Esqueci tantas outras coisas que nem as horas importavam. Os vazios diminuíram e algo, antes rompido, foi reconstruído de modo mais fechado, mais cuidadoso, apreensivo, até medroso.
Esqueci o toque do telefone, a música preferida, os versos que compus. Passei a gostar do silêncio e a contemplá-lo como dádiva.
Mas quis a sorte me testar e não houve palavra escrita, mas dita, naquele dia de chuva e frio e conheci na voz que antes me afagava o fino corte de navalha.

O silêncio rompido estilhaçou-se pelo chão e junto, não nego, atordoou-me o coração. Que fazer diante do susto, do espanto, do assombro? Aceitar que nem o silêncio nem a dor eram velhos o bastante para terem morrido. Aceitar que só muito aos poucos é que o tempo tem eficácia e conviver com as brumas do passado que ainda visitam o presente.

domingo, 2 de julho de 2017

Flash



Tive um flash de sonho com você.
Talvez vire poesia,
Talvez lhe conte quando chegar o fim do dia.
Talvez eu nem comente, criando um silêncio, pérola minha.
Tive um flash com você no meio da noite:
Cintilou pelo quarto todo, quase relâmpago.
E choveu nos meus olhos, mas não medi o tanto.
Era saudade líquida, brisa fria.
Eram dias fluídos, imersos em correria.
Só eu era estanque, guardando um livro na estante
Ajeitando meu sorriso meio tímido, escondendo-me entre títulos.
Tive um flash na madrugada, desejo meu...
Mas não há lâmpada que o realize:                               
Ainda são poucos os desertos
E, nesse frio, sequer tivemos nossos corpos descobertos:
Inércia, distância, movimento, presença...
Conto mais o que me falta do que as suas promessas.
Ainda vejo com clareza: pouco mais de alguns minutos...
Lua míngua, sei lá eu de sua língua?
Me sabe o sopro do Dragão:
Ainda nem é inverno (ele ainda demora), mas aqui já faço verão.
E você dentro de um flash, miragem minha...
Revés de sonho, cochilo zonzo...
Estendo a mão em toque, palavra minha...
Lanço os dados, desejo a sorte.
Há ainda no que acreditar?
Visão minha, flash que já se foi...
Corro os olhos na noite e mordo os lábios:
Desperto do clarão que me trouxe sua voz...            
Eu que pensei tê-la esquecido...
Foi só um lampejo entristecido.
Busco novamente o sono

Nas horas quase geladas desse outono.

sábado, 1 de julho de 2017

Inconteste




Eram seus olhos como farol que gira incansável:
Mas naquele dia era busca, não era guia.
Passou em brilhos e fogos de cometa,
Deslizando pelo céu do meio-dia de minhas mãos.
Era feito de buscas, mas eu não era o alvo do dia.
O silêncio crescia em meu peito e invadia a rua.
Até o respirar se amansara, murmúrios.
De certo, um rubor me cobria,
Mas era de prata o olhar que lhe devolvia.
Não soube eu trocar um passo,
Era uma quase-pedra no caminho?
Não soube eu existir em meio a tanto espaço,
E fiz-me sombra de planeta, eclipse.
Fiz-me a calma que nunca tive.
Em asas, voou. Em caminhar, corria.
Passou o som que me estremeceu
E perdi até o chão.
Passou o vento que me arrepiou
E de claridades me lançou na escuridão.
Fui eu transformada em estátua, inerte,
Pelos olhos de medusa impiedosa,
Pelos raios do cometa atemporal.
Fui lançada num labirinto de senões.
Fui devorada por porquês e interrogações.
Fui envolvida por histórias sem fim,
Enrolada por novelos de pouca cor.
Em busca de um começo e um contexto, por fim percebi
Que nem toda história cabe em margens,
Que nem todo verso se equilibra em pauta,
Que nem todo livro respeita a capa.
Era eu parte do sem nexo dos sonhos
Inconteste descontexto,
Ser vivente sem explicações
Diante dos paradoxos do destino.

Ali parada e o tempo passando...