Fosse quarta-feira e o ritmo seria outro. Na segunda, o pé estaria no
freio, ainda preguiçoso. A mão estaria largada, tateando em busca do
café-nosso-de-todo-dia. Mas era sexta. E apesar de todo o cansaço da semana,
das correrias, dos ônibus perdidos, das horas atrasadas, das reuniões
intermináveis e enfileiradas de segunda a quinta, como as filas das crianças na
escola, a aceleração era total.
Poderia ter feito versos. Poderia ter ouvindo uma canção. Preferiu
pensar em todas as palavras que poderiam ser escritas e endereçadas, mas não o
seriam. Gostava de escrever essas longas cartas que não eram entregues a
ninguém.
Jogou-se no sofá da cafeteria como se fosse o de sua própria sala.
Afundou-se no meio das almofadas, sacou o caderninho e anotava tudo. Observava tudo.
Com um som alto nos fones, perdia-se na contemplação do vai e vem das pessoas.
Gostava de ir ao shopping. Não
de ir às compras, mas de sentar ali, na poltrona que já era quase sua e passar
horas olhando as pessoas. Gostava de tentar imaginar o que se passava nas
tantas cabeças que entravam e saiam das lojas, que se escondiam atrás das
sacolas com produtos caros e que nem sempre eram necessários a todas aquelas
pessoas.
Gostava, na verdade, de sentir-se desligada de tudo aquilo. Como se
fosse só mais uma expectadora do mundo, uma fiel seguidora das histórias, das
mil histórias sem fim que era a vida.
E sempre se pegava imaginando os fios que ligavam as pessoas, sem o
menor dos sentidos lógicos, sem nenhuma outra explicação que não fossem um
capricho dos novelos das Moiras.
Em dias acelerados como essa sexta-feira, gostava de cafés gelados, de
energias revigorantes e refrescantes que a permitiam mais lucidez ao olhar para
cada passo das pessoas e lhe permitia examinar a sua colocação no meio de todo
aquele mar de histórias interligadas.
Pegava um ou outro fio e ia tateando para encontrar o exato momento em
que o cruzamento acontecia. Encontrava, mas a lógica lhe fugia. E dessas experiências
de pausa e observação tirava a sua receita para todo dia, de meditar, de concentrar-se
nos acasos interessantes que os caminhos, suas voltas e atalhos proporcionavam.
E anotava em seu caderninho cada um dos seus pensamentos. Como se pudesse
compor um livro dos dias. Um livro de horas. Um livro de intermináveis histórias
sem fim, com personagens que iam e vinham a cada nova página lida, escrita,
reinventada.
Para todo dia, uma nova anotação. Para todas elas, uma dose de
contemplação. E fazia-se assim, um pouco dona de tudo o que seus olhos viam e
tocavam sutilmente pelo correr das horas que mergulhavam em mais uma taça de
café gelado.
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