Mesmo depois de a porta ter se fechado sem chances de ser reaberta a
sensação de que tudo estaria como antes continuava. Os planos abortados,
rasgados, caídos pelo chão ainda podiam vibrar. Ainda eram sentidos como se
estivessem no mesmo lugar.
As fotos partidas ao meio ainda pareciam respirar, uma sobrevida
fantasma que teimava em arrastar as suas correntes pelos corredores
inexistentes da casa.
A falta dela era como a falta de um membro que, amputado, fazia falta
agora, mas que deveria ser, em breve, substituído por uma conformação, por uma
adaptação de quem ficou. A lei da vida é implacável e manter-se de pé e firme é
essencial.
Quando ela atravessou a porta amputou-lhe o peito, arrancando o coração
que ainda pulsava. No lugar dele um vazio, uma angústia, uma dor lancinante,
que nem todo analgésico do mundo conteria.
E verteram-se rios salgados e cristalinos, transparentes como a grande
lacuna que se fez no peito. Rolaram cachoeiras de sonhos despedaçados. E o
tempo que corria acelerado parecia parado, porque a dor não curava. A ferida
não cicatrizava. E a vida seguia sem ser vivida.
Tempos depois um coração tímido batia, um coração meio fantasma, um que
era sentido no lugar daquele que havia sido arrancado e ousava voltar a bater,
reconstruindo-se, revivendo-se, dando-se novas habilidades, desfazendo-se das
memórias e tornando-se mais habilidoso, mais adaptado às dores.
Aos poucos deixava de ser fantasma, abandonava as correntes, parava de
atravessar as paredes e assumia-se como nunca havia deixado de ser de fato: de
carne, sentimentos e sangue, de vida.
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