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terça-feira, 5 de junho de 2018

Deserto do meio-dia





Há estações que são minhas preferidas. Caberia aqui citar cidades, trens, concreto, ferro e pó. Mas me falam mais alto a cor das flores, o cheiro do sol da manhã, as voltas dessa Terra na imensidão.
Por ser assim, sempre que posso relembro a estação na qual parei, desembarquei alguns sonhos e não tenho certeza se já parti ou faço dela minha morada: aquela na qual experimentei seus olhos sobre mim, um quase frio, ameno, um quase dia ensolarado, brando, um prelúdio de noite calma, meu antônimo.
Escrevo nessa noite de outono e pouco importa seu número no calendário. Pouco importa se lhe experimentei ontem ou na semana que vem. O tempo passa e caber-me nessa ou naquela noite da semana não faz sentido... A ampulheta doa-se a cada um dos lados e sou parte do pó. Escorro por uma fresta. Sou o tempo que está (se) perdendo (?).
Conto os meses só pra saber se estou, de fato, na mesma estação.
Deve ser o quarto: mês. Também é o local. Minha pouca atenção recai sobre o nada. Não interessa-me a racionalidade matemática ou a precisão do tempo numérico. Sou regida pela lua. Sei em que ciclo estamos: ela e eu. Estamos minguantes. Nosso inverno não tarda. Ele se anuncia pelo cinzento que margeia o castanho de meus olhos.
Estamos à míngua daquilo que já foi desejado. Acostumamo-nos com o jogo complicado do ser-não-ser: o possível depende da ação.
A palavra que precede a ação a deseja, mas é incapaz. Abstrata. Inerte. Vaga. Vazia. Eu que já quis tanto, tenho dúvidas ou é só cansaço?
Sou espera na estação, mas não sei até quando. Minguo. E comigo vai a espera, o desejo, sua imagem, quase vulto.
Sinto o frio de um vento lunar tão deslocado quanto eu nesse momento e, embora cansada, sou capaz de suplicar:  deixe-me. Ou deixe que me aqueça sob a luz do seu olhar.
E, entre as artes que domino, deixe-me lhe pedir que me ilumine enquanto a luz de seus olhos pousa sobre mim enquanto passo um café, paixão minha, calor meu. (Desas)sossego meu, quente na ponta dos dedos, perfeito na ponta da língua, fogo que me arde mais nos véus noturnos que nos desertos do meio-dia.

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