Visitas da Dy

domingo, 14 de janeiro de 2018

Tradução




Não era muito de conversas, assim como também não era tanto de silêncios. Era uma espécie de entardecer, com cores palidamente cintilantes e um ar contemplativo que permite um ou outro som sem que se quebre o encanto. Tinha um tanto de alegrias represadas pelos seus olhos escuros de noite e emoldurada por um castanho que lhe escorria do alto aos ombros.
Conheceu a aurora nas folhas mais brancas que poderia, manchadas por linhas azuis. Céu às avessas ao qual também, ao contrário do que deveriam, suas palavras passaram a pousar e não a voar. Na pouca idade, escrever era algo que oscilava entre treinos de caligrafia e um esforço de manter-se acordada naquele mormaço que a vida lhe parecia. Nem alegre nem triste. Uma vida.
Ainda não se sabia poeta. Essas descobertas demoram. São frutas que amadurecem em tempo certo. Em dores certas. Em risos certos. Em encantamentos adequados. Pensava-se só solitária, ainda que os cômodos estivessem cheios.
Respirava livre quando estava em fuga: ultrapassando as fronteiras de uma dimensão além, alcançada dentro de capas, de tamanho tão bom que cabia nas mãos. Portais mágicos, à toda época, passaram a se chamar livros.
Custou a colher-se poesia, a escrever os frutos maduros, abandonar seus verdes. A traduzir-se em vermelhas expressões, com sabores ora adocicados de sonhos, ora doloridos em construções gris como prédios de cidades grandes. Demorou a dar-se aos furtos dos sentimentos alheios para lhes doar finais ou rimas. Foi tudo muito devagar, tartarugas no pensamento. Foi reticências, margeando suas dúvidas tontas sem tanger, um minuto sequer, a certeza de ser.
No fundo, gostava mesmo da inconstância do estar ou não estar e,por isso, preferia apenas dizer que fazia reuniões nas madrugadas: reunia as palavras, os sentimentos, os esboços, os afetos e domava todos na arena do caderno de anotações para que, ali, decidissem seus destinos: declamações, exposições ou silêncios.
Venceram os gritos, as grafias fortes, riscadas em papeis receptivos: os versos soa vivos, alados, clamam por sua liberdade e pedem para serem lidos, ouvidos. E ela descobriu-se quase como que a libertadora. Chave mestra das gaiolas que os continham.
Quase perdia, já vencida, aceitou seu papel definitivo: transcrever os versos que lhe eram como açoites e se sussurravam aos ouvidos.
Ainda flerta pouco com as conversas e com os silêncios, mas agora sabe-se não mais sozinha, não mais deslocada. Encontrou seu lugar entre-linhas.


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