Há muito tempo guardo rascunhos. Pensamentos fragmentados que surgem em
um sobressalto e que pousam no papel à espera de uma atenção que nunca terão.
Os pequenos fragmentos são visitados todos os dias para ganhar novos acréscimos,
mas nenhum dele é lido. Vou tecendo, assim, com palavras, uma espécie de colcha
de retalhos infinita, fada ao esquecimento. Imersa na indiferença que eu mesma
crio.
Sou uma sabotadora de ideias, das minhas ideias. De planos. De versos
que poderiam ser tão bonitos quanto um Neruda ou um Pessoa, não por pretensão
ou talento, mas por vocação: toda palavra tem vocação a ser doce, suave,
tocante.
Quando vejo os traços mal feitos com as palavras que anotei correndo
para não esquecer uma voz me diz: deixe estar um dia você as lerá. E outra,
mais maldosa e, talvez, mais realista gargalha: lá vem você com mais palavras
que não quer esquecer e que nem quer ler!
Isso basta para lançar-me a angústia quase fatal que é conviver ao mesmo
tempo com uma esperança e uma contra-esperança que não se abandonam.
Muitas palavras nasceram em bordas de xícaras de café e por ali mesmo se
afogaram. Alguns rascunhos vieram no vento como dente de leão desvairado e
injustamente aprisionado no papel.
Dou-me conta do quão injusta sou com meus pensamentos. O quão cruel sou
eu que os aprisiono em um caderno nem tanto secreto, nem tanto invisível, nem
tanto inacessível, mas que é evitado cotidianamente. E lamento por tudo aquilo
que foi pensado, escrito e nunca lido.
Encaro as palavras mudas diante de ouvidos atentos e percebo a imensidão
que elas poderiam alcançar se pudesse voar com suas próprias asas, se pudessem
ser livres em suas tantas reticências, longe dos mal entendidos dos pontos-e-vírgulas.
Doou-me conta de que tenho ouvidos surdos diante de palavras que me
gritam e finjo não as ver, mesmo quando as tateio. E sinto o quanto elas são
carentes de movimento próprio. Percebo o quanto o deslocamento das ideias é
importante.
Faço os meus rascunhos com a seriedade de quem chegará até o projeto
final, mas os abandono como criança mimada com brinquedo novo, na caixa, que
despreza o recém-chegado anterior.
Percebo que as linhas em que guardo minhas palavras são ninhos, que
aconchegam meus pequenos pássaros cativos, meus rascunhos, que são desejosos de
céus abertos para crescerem e deixarem de ser tão miúdos. Percebo um antes e um
depois mais aflito do que deveria ser por mero capricho meu em não dar a
liberdade tão almejada pelas palavras que fingi ter libertado pela tinta da
caneta.
Talvez os rascunhos sejam braços abertos, carentes de outros braços que
os permitam se entrelaçar e se fortalecer e pelos quais eu mesma encontraria mais
firmeza. Talvez os rascunhos devessem ser revisitados e relidos e transformados
em projetos finais. Só para alívio.
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