Paira sobre mim uma névoa cintilante. Uma névoa que embaça o espelho e
os meus olhos.
Paira um quase cinza de fim de tarde de inverno, mas sequer saímos da
primavera.
Esforço-me em não me alegrar com as flores, mas é tentativa vã.
Eu, apaixonada que
sou por aquarelas, vejo em cada flor um pote de tinta, com seus caules-pincéis
prontos a serem usados na tela de cada novo dia.
Paira sobre mim um véu delicado, de proteção amorosa, que me impede de
desistir, que me impede de jogar tudo para o alto.
Tudo o que me cabe é um instante de sonho que voa, que voo (eu), como
asas translúcidas, como suspiro de filho que dorme entregue em meus braços
pequenos e tão frágeis quanto seguros.
Paira em mim algo que trago no olhar e que cabe no céu, na janela do
quarto de dormir ou da sala do apartamento, no mar e nos pontos reticentes que
deixo cair no papel.
Pairam sobre mim sonhos leves, mas que não solto. Pairam desejos de voar
e ao mesmo tempo de ficar. Paira a vontade de tocar suavemente com a ponta dos
dedos o futuro, mas receio que ele se desfaça ao toque.
Paira em mim um sem fim de quereres velados, barcos à vela indo longe de
meu porto, garrafas recheadas de promessas no mar do tempo que ondula com o
vento do esquecimento.
Paira em mim a liberdade. O sentimento de não estar presa aos sonhos e
de refazê-los a cada nova manhã. Paira em mim algo leve, leve como pluma, leve
como só a brisa pode levar.
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