Simulava estar bem. Todos os dias, há 20 ou 25
ou 30 ou quase 50 dias, já havia perdido a conta ou já havia se perdido nos
dias, não importando mais quantos eram. Talvez já tivesse virado um ano...
Simulava sorrisos e dissimulava as dores. Estava
indo tão bem que às vezes até esquecia que o vazio do peito doía.
Solenemente assumia para si que não tomava mais
o mesmo sorvete que ele – afinal, aprendera a gostar de baunilha por pura
influência. Gostava mesmo era de chocolate. Sorvete agora só o misto. Um misto
de já-esqueci com não-deixo-de-lembrar.
Abandonou as meias brancas porque não fazia
mais sentido ter um espaço na gaveta só para elas: isso era mania dele, que as
arrumava organizadamente quando queria ficar sozinho. Nada de meias brancas ou
gavetas milimetricamente organizadas. Uma baguncinha caia bem: na gaveta, nas
ideias, na estante de livros.
Não pensava mais nele. Queria acreditar nisso. E
quando pensava, negava até o fim: uma mentira dita cem vezes se torna uma
verdade, dizia um dito popular que ouviu no ônibus ou na rua ou
sabe-se-lá-onde. Valha-lhe o dito! Não pensava e pronto! Ou quase.
“A nossa música nunca mais tocou”. Ouviu no
rádio e rui, confirmando. Mais uma vez dissimulando uma dorzinha que incomodava
nos ouvidos: eram tantas músicas que os rádios deveriam ficar mudos! Para cada
dia, novas letras. Para cada cantor, uma favorita. E eram tantos cantores! A pilha
de Cd’s só crescia e, de repente, diminuiu. Ele levou todos os favoritos. Pouco
importava: MP3 serve para isso, para diminuir o uso do espaço na estante e
encher os ouvidos com as tantas lembranças em forma de canção. Mas já não havia
nenhuma lembrança. Só havia a promessa do esquecimento, de um amoroso
esquecimento, à moda de Quintana.
Simulava olhos maquiados, dissimulados como a
cigana oblíqua, brilhantes nas fotos e afogados por trás das lentes enquanto liam
um romance, daqueles que ela também jurara nunca mais ler. Nada de sofrimentos
nas páginas. A poesia é que deveria ser exaltada. Mas rendia-se aos sofrimentos
fictícios tão próximos ao seu real.
Simulava sorrisos e gargalhadas que
atravessariam os dias e chegariam ao ouvido dele há milhas de distância,
dissimulando que os planos (des)feitos depois de tanto tempo deixavam o mural
de avisos da sala muito mais vazio desde que a porta se fechou.
Levava os dias simulando para si mesma que tudo
estava no seu devido lugar, dissimulando que engolia um pouco de dissabores nos
finais das tardes, principalmente nos dias nublados.
Mas uma coisa era certa: em suas (dis)simulações
o sentimento era real.
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