Queria demais.
Sonhava demais. Não se encaixava nas superficialidades diárias das pessoas e
isso lhe esfriava a alma e lhe deixava exausta das tentativas de aquecer quem
lhe rodeava com seus sorrisos. Estava aprendendo a desfazer-se. A não se
importar. A abandonar-se. E o processo além de longo e solitário, era frio, era
um chão de giz que ela só poderia atravessar por seus próprios pés. E tentava. Todas
as manhãs.
Decidida, desfez-se
de si mesma. Mais uma vez. Não sabia mais quantas tentativas havia feito só
naquele mês, naquela semana.
Passarinho em
época de muda.
Trocava suas
dores lentamente por sorrisos. Aos poucos recoloriu tudo: as paredes da casa,
as roupas, as unhas, o cabelo e a boca. Voltou a sorrir. Voltou a cantar.
Inventou novas
histórias nos cadernos em branco que estavam ajuntando poeira em um canto da
sala e tudo ficou bem como deveria ser. Café para começar o dia, manteiga manhosa
derretendo no pão quente. Colher batendo na borda da xícara, a falta de paciência
com o jornal.
Trilha sonora
da década de 1970 no caminho para o trabalho. Desejos de um outono que durasse
o ano inteiro. Caminhadas pelo centro da cidade tão descomprometidas com o horário
quanto com os passos dados.
Aos poucos
tudo entra nos eixos, tudo volta ao normal. O que era e havia deixado de ser se
restabelece e tudo segue seu rumo. E as horas seguem. E o tempo voa. Parece muito
mais veloz agora, mas o chá no meio da tarde acalma e dá a pausa necessária
para um suspiro de fim de jornada, um suspiro de entrega aos descansos
merecidos.
Parecia que
tinha sido ontem, mas havia sido naquela manhã. E em todas as outras. Era igual
todos os dias. Só que àquela hora, já não doía. Aprendera a lidar com a com
como se fosse um parto á fórceps: quando algo natural precisa de um auxílio
violento para se concretizar, mas sabe-se que tudo fica bem ao final. Não sabia
lidar com as dores e todas elas lhe pareciam desnecessárias e feitas para um
outro alguém que não ela.
Não aceitava
as desordens que lhes eram causadas pelas transcorrências da vida, mas aprendeu
a conviver com elas cotidianamente e agora não doía. Era só vazio. E nesse vazio,
tentava semear algo de bom. Como se fossem vasinhos à espera de sementes de
flores.
Com tantas mudanças,
transformou os seus quereres e planos feitos papeis tão frágeis como se fossem
areias à beira mar em simpatias e amabilidades sintéticas, mas sinceras, se é
que isso é possível, e leva a vida à pratos rasos, quando, de fato, bem lá
dentro, desejava pratos fundos de sentimento e atenção.
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