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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Silêncio



Silêncio



O quarto estava imerso em uma quase escuridão, sendo iluminado pela luz de um poste que ficava não muito próximo à janela.

Ela estava deitada no tapete, bem no meio do quarto, olhando para o teto, para as estrelas em neon que ela mesma havia colado lá. Para ela era uma tentativa de diminuir o branco entediante dos tetos. Achava os tetos brancos algo chato. Para ela os tetos deveriam ter pinturas, como nas igrejas renascentistas, nos grandes teatros que conhecia ou, pelo menos, com estrelinhas que brilhava no escuro, como o seu. Acreditava que o teto era um ponto importante do quarto: seu centro de pensamentos! Sempre que precisava pensar ela se deitava e o encarava fixamente. Dali as ideias partiam. Ganhavam vida. Brincavam entre as estrelinhas.

Era uma noite como todas as outras, depois de um dia como todos os outros, em que ela chegou em casa, jogou os sapatos de salto alto pra cima e descansou os pés no chão gelado da sala. Jogou-se no sofá enquanto ouvia um blues no som. Preguiçosamente tirou a blusa e foi à cozinha buscar uma taça de vinho. Bebeu. Resolveu tomar um banho longo, colocou o pijama e foi para a cama dormir. Para quem não gostava de rotina, a sua era a mesma a exatamente uma semana: parecia que esses passos haviam se transformado num ritual.

Foi para a cama mais cedo que o normal. Precisa descansar. Talvez fosse mesmo era o efeito do vinho...

No meio da madrugada o seu telefone tocou. Sonolenta ela atendeu sem olhar quem era, de olhos fechados mesmo. A ligação caiu. O número não havia sido identificado.

Com o susto ela se despertou e trocou o conforto da cama pelo tapete, menos confortável, com certeza, mas bem mais convidativo aos pensamentos.

Aos poucos ela foi mergulhando no silêncio que ocupava todo o ambiente e foi sentindo-se agoniada. Ela não gostava de silêncio, gostava de blues. O silêncio a incomodava tanta que ela teve a sensação de estar sendo sufocada por ele e começou a cantarolar, mas perdeu-se entre o silêncio e o som que fazia para perceber outro silêncio: o de uma pessoa muito querida que a dias não dava notícias. Esse era o silêncio mais perturbador que ela já fora obrigada a conviver.

Puxou em sua memória quando tinha sido a última vez que se falaram por telefone e não conseguia lembrar em nada mais próximo do que um mês e meio. O último e-mail era mais recente, uns 20 dias talvez, mas com uma certa frieza e distanciamento que ela desconhecia, mas que não havia notado naquele momento. Talvez fosse falta de tempo, a correria do dia a dia, o trabalho, a carreira, qualquer coisa, menos o distanciamento de pessoas que declaradamente se gostavam e se importavam uma com a outra.

Pensou em ligar, mas era muito tarde. Quis escrever e começou a pensar no texto. Ela sempre pensava no texto todo antes de digitá-lo. Desenhou cada detalhe, pensou cuidadosamente em cada palavra. A mensagem estava enorme, mostrava toda a  sua preocupação, toda sua saudade, seu apreço, seu desespero pela falta de notícias e pela falta daquele “bom dia” que a fazia tanto bem.

Respirou fundo e quando ia se levantar para escrever se distraiu com as estrelinhas de seu teto e novamente notou o silêncio: de tão concentrada na ausência que sentia acabou por esquecer que estava sem música no quarto. O silêncio. Voltou a se angustiar com ele. Agora mais do que antes. Agora ela acabara de traçar um paralelo entre o silêncio que invadia teimoso o seu quarto e o que lhe era dispensado pela pessoa tão querida.

E se fosse mesmo um afastamento? E se fosse proposital? E se na verdade o outro nunca tivesse se importado com ela? Se fosse tudo uma série de meras atitudes corriqueiras de pessoas que convivem  e que acabam se distanciando na medida em que as vidas vão tomando rumos diferentes? Pensou tão seriamente nisso que acabou por ter uma lágrima escapulindo dos olhos. Ela não podia suportar que toda amizade e dedicação nunca haviam sido recíprocas. E os abraços carinhosos? E os cafés com bate papo que duravam horas?

A madrugada ia se estendendo, a noite desfilava seu manto breu pelas ruas e ela não conseguia pensar em outra coisa se não naquele silêncio, tão profundo, tão duro, tão doloroso.

Cantarolou a música que havia sido eleita como trilha sonora da amizade e sentiu que o silêncio doía ainda mais se ela tentasse dissipa-lo. Deixou-se perder entre as estrelas mais uma vez. Deixou-se perder em boas lembranças de seus amigos e lembrou-se que já havia passado por dois momentos iguais a esse.

Há muitos anos ela tinha um amigo que simplesmente se afastou. E o silêncio durou longos quatro anos. No começo ela chorou muito. Se perguntava todos os dias o que teria acontecido, até o dia em que o reencontrou e descobriu que ele não passava por bons momentos, que precisava se colocar nos eixos e que o silêncio foi necessário, uma forma de ele se resguardar e também de protege-la de aborrecimentos ou desentendimentos que pudessem surgir. Ela havia sofrido com a distância, mas valeu a pena, porque o reencontro foi mágico, foi um resgate de anos de amizade que continuou firme.

O outro caso de silêncio se deu com outro amigo que a vida tratou de afastar de seus olhos, de seus caminhos. Foram seis anos sem notícias. Seis anos que ela se perguntava todos os dias onde ele poderia estar, o que estaria fazendo, como estaria. Chegou a chorar algumas vezes em que percebeu que talvez o perdera pra sempre pelos trilhos do destino, mas esses trilhos, em meio a tantos descaminhos se encarregou de reaproxima-los. Se encarregou de coloca-los novamente em caminhos próximos, lado a lado, resgatando o tempo perdido e fortalecendo ainda mais a amizade.

Ela relembrou esses dois casos e olhou para seu mural de fotos na parede do quarto. Não podia ver bem as fotos, mas ali estavam os dois em sorrisos ao lado dela, de onde não os permitiria sair mais.

Voltando para o vazio que um dia sentiu pela ausência de seus amigos, percebeu que isso poderia ser uma forma de egoísmo seu, afinal, as pessoas precisam de espaço, cada um tem seu próprio tempo e meio de enxergar a vida. Sentiu-se aliviada por um lado, envergonhada por outro, mas decidida a não escrever o tal e-mail que havia pensado.

Às vezes esse seria mais um momento de respeitar o silêncio do outro, de só se lembrar dos bons momentos e das canções que já cantaram juntos, dos abraços, dos sorrisos. Esse era só mais um momento de reflexão e todos nós precisamos deles. Uns preferem dividir seus pensamentos, outros o guarda para si.

Olhou para as fotos, sentou-se e abraçou os joelhos, enxugou uma lágrima que rolou e no lugar de escrever um longo texto mandou uma mensagem curta: que o seu silêncio me fale sempre de você, porque será nele que terei esperanças de que volte, de que se entenda, se renove, se refaça e que volte a ser canção para meus ouvidos, porque velhos amigos, por mais que os caminhos se afastem, voltam a se ver um dia, e terei sempre os braços abertos, um sorriso largo e um café quentinho lhe esperando.

Daquela noite em diante ela passou a gostar do silêncio, passou a usa-lo como aliado para entender a vida, passou a usa-lo como ferramenta em suas reflexões. O silêncio passou a ser a sua companhia noturna, no lugar de um blues.

1 Comentários:

Nanda disse...

Muito bom amiga!!! Estava com saudadesss dos seus textos!!! bjssss

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