Esperei
o dia todo que meu telefone tocasse, mas naquele dia não recebi se quer uma
ligação por engano.
Passei horas
a fio olhando para o aparelho enquanto fumava meus cigarros baratos, afundada
na velha poltrona verde que fica no canto esquerdo da sala. Acendia um cigarro
no outro. E esse era p meu vício que mais lhe incomodava: lembro bem de como
balançava a cabeça e dizia para eu parar de fumar.
O relógio
marcava 3:37 da manhã. Da poltrona eu via a cortina balançar do outro lado da
sala. Ventava pouco naquela noite quente e abafada de verão.
No som
eu ouvia uma canção qualquer, em língua estrangeira, para não me dar ao
trabalho de tentar entender. Preferi as canções contemporâneas às clássicas
porque enganava-me que as vozes eram minhas companhias.
Lá em
baixo, no térreo, a rua estava quase deserta a não ser por um gato que
displicentemente passeava pelo breu noturno.
Aqui em
cima, no décimo terceiro andar eu ainda estava à espera de sua ligação. Conferi
o aparelho celular, podia ser falta de bateria! Não, não era. Resolvi eu mesma
ligar para minha casa, podia ser problema na linha... não, não era.
No cinzeiro
de cristal as cinzas brigavam por um lugar e algumas já se esparramavam pelo
chão. Resolvi tomar uma dose de rum. E como você gostava de rum! Brindávamos à
nós todas as vezes que nos atrevíamos a bebericar.
A hora
não passava. Você não ligava. A agonia seguia lenta, asfixiante. Abri um livro.
Olhava as letras como se fossem meros desenhos, sem lê-las. A luz do abajur
deixava a sala com uma aparência de ser um ambiente enorme, ou seria eu que
estava encolhendo?
O sono
não vinha... você não ligava... Não dormi. E essa havia sido só uma noite. A primeira
de muitas.
Vieram os
primeiros raios de sol e logo ele apareceu majestoso, com sua cabeleira loura,
iluminou o dia, as vidas e escondi meus olhos por trás de um par de óculos
escuros. Escondia assim o inchaço e as olheiras.
Exausta
da longa noite insone fui trabalhar, vagando pelas ruas, deixando o chão passar
sob meus pés. Exausta voltei para casa no fim do dia e você mais uma vez não
ligou. Exausta joguei-me na cama e perdi-me entre lençois e um sono de pedra, maciço,
sem sonhos.
Essa dinâmica
cansativa se estendeu por muitos e muitos dias. Parei com os cigarros e o rum
acabou... Você não ligou.
Meses se
foram. Eu ainda me lembrava de você todos os dias, especialmente no escuro. Imersa
nas sombras eu pensava se você poderia ver as estrelas de onde estava; se tinha
companhia naquela noite; se alguém ia segurar sua mão pra dormir; se estava
bem; se se sentia em casa onde quer que pudesse estar.
Sempre que
me lembrava de você – e isso acontecia todos os dias – eu fechava meus olhos e
sorria e sussurrava ao vento um recado, com a esperança de que ele chegasse até
você e lhe disse cada palavra, com cada sutileza, como eu dizia a ele. O vento
sabia que eu me colocava à sua disposição sempre, que torcia para que
encontrasse o seu caminho de volta para minha casa, para minha vida.
Um dia
sem que eu menos esperasse o telefone tocou. Reconheci sua voz na primeira
palavra. Sua respiração mantinha o mesmo ritmo. O mundo e seu movimento havia
feito você voltar? Sorri. Cheguei a perder a voz. O ar faltou. Era incrível que
depois de tanto tempo você estivesse ali, sendo canção para meus ouvidos.
Com sua
volta enchi a casa de flores, corri na direção do mar, enfeitei os cabelos, organizei
festa no meu coração. Um jantar para celebrar como nos velhos tempos... que
sonho...
Eu tinha
muitas coisas pra contar: a lista era enorme! Tinha parado de beber, largado o
cigarro, comprado livros novos, começado a fazer aulas de pintura. O melhor
eram os cursos: comprei um violão e não sabia fazer um acorde; a bicicleta
estava na garagem desde o primeiro dia, depois do primeiro tombo, mas a ideia
era resgatar tudo isso.
Ah, que
emoção foi abrir a porta naquela noite! Você me trouxe flores, as minhas
preferidas! E percebeu que eu havia me desfeito da poltrona verde!
Depois
do jantar dançamos e brindamos e contamos as estrelas da janela, olhamos os
casais abraçados andando pela rua. Sorrimos para a lua. Arrepiei-me com o vento
e me emprestou seu casaco.
Em certa
hora o silêncio tomou conta da sala. Nossos olhos que haviam se perdido se
encontraram e foi o suficiente para que reencontrássemos o amor, o nosso amor.
Uma noite,
alguns meses depois de uma outra longa e angustiante noite, bastou para que a
única certeza que tivéssemos fosse a de que nosso amor era o mesmo, de que o
tempo não o havia desbotado e que por mais que possamos ter ficado separados,
ele não fora abandonado um minuto.
Um olhar
e soubemos pra sempre que outros mil viriam e nos fariam felizes, que
perdoaríamos nossas falhas e que novos caminhos se descortinariam. O céu
colocou-se diante de nós. Você tinha reaparecido a tempo de mostrar isso, de
reviver meus sonhos, de reconstruir meus planos, nossos caminhos, trilhas que
nos levariam rumo ao horizonte e à felicidade.
Aprendi
que todo o tempo em que passei pensando nos seus olhos e na falta que eles me
faziam eu estava alimentando um amor, que passou a não caber mais em mim de tão
grande.
Aprendi
que as noites longas podem ser tortuosas, mas trazem em si ensinamentos e que
há dias ensolarados e radiantes tão longos quanto as noites, a diferença é que
nele, claros como o cristal, vemos nossa felicidade brilhar.
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