Visitas da Dy

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Noite Longa



Esperei o dia todo que meu telefone tocasse, mas naquele dia não recebi se quer uma ligação por engano.

Passei horas a fio olhando para o aparelho enquanto fumava meus cigarros baratos, afundada na velha poltrona verde que fica no canto esquerdo da sala. Acendia um cigarro no outro. E esse era p meu vício que mais lhe incomodava: lembro bem de como balançava a cabeça e dizia para eu parar de fumar.

O relógio marcava 3:37 da manhã. Da poltrona eu via a cortina balançar do outro lado da sala. Ventava pouco naquela noite quente e abafada de verão.

No som eu ouvia uma canção qualquer, em língua estrangeira, para não me dar ao trabalho de tentar entender. Preferi as canções contemporâneas às clássicas porque enganava-me que as vozes eram minhas companhias.

Lá em baixo, no térreo, a rua estava quase deserta a não ser por um gato que displicentemente passeava pelo breu noturno.

Aqui em cima, no décimo terceiro andar eu ainda estava à espera de sua ligação. Conferi o aparelho celular, podia ser falta de bateria! Não, não era. Resolvi eu mesma ligar para minha casa, podia ser problema na linha... não, não era.

No cinzeiro de cristal as cinzas brigavam por um lugar e algumas já se esparramavam pelo chão. Resolvi tomar uma dose de rum. E como você gostava de rum! Brindávamos à nós todas as vezes que nos atrevíamos a bebericar.

A hora não passava. Você não ligava. A agonia seguia lenta, asfixiante. Abri um livro. Olhava as letras como se fossem meros desenhos, sem lê-las. A luz do abajur deixava a sala com uma aparência de ser um ambiente enorme, ou seria eu que estava encolhendo?

O sono não vinha... você não ligava... Não dormi. E essa havia sido só uma noite. A primeira de muitas.

Vieram os primeiros raios de sol e logo ele apareceu majestoso, com sua cabeleira loura, iluminou o dia, as vidas e escondi meus olhos por trás de um par de óculos escuros. Escondia assim o inchaço e as olheiras.

Exausta da longa noite insone fui trabalhar, vagando pelas ruas, deixando o chão passar sob meus pés. Exausta voltei para casa no fim do dia e você mais uma vez não ligou. Exausta joguei-me na cama e perdi-me entre lençois e um sono de pedra, maciço, sem sonhos.

Essa dinâmica cansativa se estendeu por muitos e muitos dias. Parei com os cigarros e o rum acabou... Você não ligou.

Meses se foram. Eu ainda me lembrava de você todos os dias, especialmente no escuro. Imersa nas sombras eu pensava se você poderia ver as estrelas de onde estava; se tinha companhia naquela noite; se alguém ia segurar sua mão pra dormir; se estava bem; se se sentia em casa onde quer que pudesse estar.

Sempre que me lembrava de você – e isso acontecia todos os dias – eu fechava meus olhos e sorria e sussurrava ao vento um recado, com a esperança de que ele chegasse até você e lhe disse cada palavra, com cada sutileza, como eu dizia a ele. O vento sabia que eu me colocava à sua disposição sempre, que torcia para que encontrasse o seu caminho de volta para minha casa, para minha vida.

Um dia sem que eu menos esperasse o telefone tocou. Reconheci sua voz na primeira palavra. Sua respiração mantinha o mesmo ritmo. O mundo e seu movimento havia feito você voltar? Sorri. Cheguei a perder a voz. O ar faltou. Era incrível que depois de tanto tempo você estivesse ali, sendo canção para meus ouvidos.

Com sua volta enchi a casa de flores, corri na direção do mar, enfeitei os cabelos, organizei festa no meu coração. Um jantar para celebrar como nos velhos tempos... que sonho...

Eu tinha muitas coisas pra contar: a lista era enorme! Tinha parado de beber, largado o cigarro, comprado livros novos, começado a fazer aulas de pintura. O melhor eram os cursos: comprei um violão e não sabia fazer um acorde; a bicicleta estava na garagem desde o primeiro dia, depois do primeiro tombo, mas a ideia era resgatar tudo isso.

Ah, que emoção foi abrir a porta naquela noite! Você me trouxe flores, as minhas preferidas! E percebeu que eu havia me desfeito da poltrona verde!

Depois do jantar dançamos e brindamos e contamos as estrelas da janela, olhamos os casais abraçados andando pela rua. Sorrimos para a lua. Arrepiei-me com o vento e me emprestou seu casaco.

Em certa hora o silêncio tomou conta da sala. Nossos olhos que haviam se perdido se encontraram e foi o suficiente para que reencontrássemos o amor, o nosso amor.

Uma noite, alguns meses depois de uma outra longa e angustiante noite, bastou para que a única certeza que tivéssemos fosse a de que nosso amor era o mesmo, de que o tempo não o havia desbotado e que por mais que possamos ter ficado separados, ele não fora abandonado um minuto.

Um olhar e soubemos pra sempre que outros mil viriam e nos fariam felizes, que perdoaríamos nossas falhas e que novos caminhos se descortinariam. O céu colocou-se diante de nós. Você tinha reaparecido a tempo de mostrar isso, de reviver meus sonhos, de reconstruir meus planos, nossos caminhos, trilhas que nos levariam rumo ao horizonte e à felicidade.

Aprendi que todo o tempo em que passei pensando nos seus olhos e na falta que eles me faziam eu estava alimentando um amor, que passou a não caber mais em mim de tão grande.

Aprendi que as noites longas podem ser tortuosas, mas trazem em si ensinamentos e que há dias ensolarados e radiantes tão longos quanto as noites, a diferença é que nele, claros como o cristal, vemos nossa felicidade brilhar.

0 Comentários:

Postar um comentário