“Recordar:
Do latim re-cordis, voltar a passar
pelo coração”
Eduardo
Galeano.
Escapou-me
pela ponta dos dedos um bocado de alegria: era o toque na seda do vestido novo.
A sensação aveludada da tensão antes de inaugurar-me no palco das peças que
encenei.
A suavidade
daquelas alegrias nunca me abandonou. Era a toada da saudade que eu sentia. Era
o embalo dos sonhos que eu tinha de olhos abertos. Era o sabor das frutas que
desejava morder. O perfume que ficava na blusa, vindo de abraços que não dei.
Escaparam-me
lembranças, memórias de lugares que visitei há mais de uma década e que já
exalavam, àquele tempo, cheiros de séculos passados. Não porque somo muitos nãos,
mas porque corre em mim muitas vidas: a que tenho e as que invento. A que vivo
e a que tento traduzir em palavras. A que protagonizo e a que crio os
personagens.
Escaparam-me
as histórias que quis e as que evitei (com ou sem sucesso) e, tendo cada uma
delas, o meu coração como ponto de partida, voltaram a ele como pássaros que
alçaram voo, mas buscaram seu ninho de origem depois de exaustos.
Escolheu-me
como pousio tudo aquilo que já havia partido de meu coração e lembrei-me da
palavra cantada na catedral, em vozes uníssonas e harmoniosas em idioma tão
antigo quanto posso imaginar, tão sonoro que não posso calar, tão ancestral que
parece me correr nas veias: recordis.
Sim! Todas as
lembranças voltaram a passar pelo meu coração e, mais uma vez, eu soube que em
mim mora a felicidade de recordar, por mais que experimente também as
melancolias. Essas são os temperos para que eu saiba apreciar aquelas quando a
sanidade me ameaça abandonar.
0 Comentários:
Postar um comentário