Visitas da Dy

domingo, 7 de junho de 2015

Re-Cordis




“Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração”
Eduardo Galeano.


Escapou-me pela ponta dos dedos um bocado de alegria: era o toque na seda do vestido novo. A sensação aveludada da tensão antes de inaugurar-me no palco das peças que encenei.
A suavidade daquelas alegrias nunca me abandonou. Era a toada da saudade que eu sentia. Era o embalo dos sonhos que eu tinha de olhos abertos. Era o sabor das frutas que desejava morder. O perfume que ficava na blusa, vindo de abraços que não dei.
Escaparam-me lembranças, memórias de lugares que visitei há mais de uma década e que já exalavam, àquele tempo, cheiros de séculos passados. Não porque somo muitos nãos, mas porque corre em mim muitas vidas: a que tenho e as que invento. A que vivo e a que tento traduzir em palavras. A que protagonizo e a que crio os personagens.
Escaparam-me as histórias que quis e as que evitei (com ou sem sucesso) e, tendo cada uma delas, o meu coração como ponto de partida, voltaram a ele como pássaros que alçaram voo, mas buscaram seu ninho de origem depois de exaustos.
Escolheu-me como pousio tudo aquilo que já havia partido de meu coração e lembrei-me da palavra cantada na catedral, em vozes uníssonas e harmoniosas em idioma tão antigo quanto posso imaginar, tão sonoro que não posso calar, tão ancestral que parece me correr nas veias: recordis.

Sim! Todas as lembranças voltaram a passar pelo meu coração e, mais uma vez, eu soube que em mim mora a felicidade de recordar, por mais que experimente também as melancolias. Essas são os temperos para que eu saiba apreciar aquelas quando a sanidade me ameaça abandonar.

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