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terça-feira, 23 de junho de 2015

Atemporal





Sou de outras línguas.
Não há tradução para o que sou
Nem para o que sinto.
Não há vozes que se assemelhem
A esse trovão que me transpassa
E que me invade,
Tremendo o chão sob meus pés.
Não sou dessa poesia
Nem desse grito
Nem dessa linhagem
Na qual escreveram a sua história.
Da minha história sou só resquícios:
Minhas linhas são de outros tempos
E meus ancestrais nem sei se existiram.
Passeio pelos milênios como se fossem dias
E não alcanço seus passos
Como não alcança os meus:
Seria boa companhia,
Seria a garantia da aurora,
A certeza de que o tempo não se mede em hora,
Mas quebraram as ampulhetas,
Uma a uma, perdendo todos os grãos,
E desfazemo-nos em areia.
E misturamo-nos ao pó das estradas,
E, dos mapas que traçamos,
Seguimos os mesmos caminhos,
Mas, às vezes, na contra mão.
Eu sou de outra poesia.
Uma que não cabe só nas páginas dos livros,
Que não sabe ser contida em silêncios,
Que não consegue ser fixa,
Que não aprendeu a parar.
Minha sina traço em versos
E não caibo senão no mundo inteiro,
Que jamais chegarei a ver as bordas.
Nem latitudes nem longitudes me coordenam
Porque enlouqueci a rosa dos ventos,
Fazendo dela meu catavento
E soprei seus pontos cardeais
Com hálito de café e menta.
Desorganizei os nortes,
Perdi-me nas orientações celestes
E doeram-me os estreitos atalhos
E mudei-me de mim, sendo outras tantas
Como agora sou: mosaica organização de sonhos.
E sou de gritos calados,
De afagos feitos com olhos,
De um espírito que arde,
De palpitações coronarianas .
Engulo desejos não manifestos
E jogo fora as pílulas que não douro.
Se pudesse contar o tempo, contaria,
Mas não me encontraria.
Se pudesse pousar em uma página do calendário,
Faria feriado ou dia de domingo,
Mas sou atemporal
E quanto mais me procuro,

Menos me acho.

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