Você deve estar naquela pausa
momentânea
Que desejamos ao longo do dia,
Que é alívio, descanso e livramento
da euforia.
Eu estou imersa em um blues:
Não onde começo eu, onde termina ele.
É um som quase tranquilo como eu:
Um monte de quases inconstantes.
Você deve ter planejado todos os
detalhes,
Preparado a bolsa, verificado agenda,
Revisado os compromissos com atenção
tremenda.
Eu me perco nos espaços da cidade,
Faço um poema meio seco, meio surdo, blasé
Como o tempo frio lá fora.
Você deve estar pelo caminho,
Talvez onde eu o deixei da última
vez,
Talvez entre um trabalho e outro,
apressado e descompassado,
Ou quem sabe escolhendo onde beber no
próximo sábado?
Eu ando cantarolando, lendo outdoors e propagandas,
Escorregando pela seriedade que uso e
não me cabe,
Dançando no sentido anti-horário,
evitando filas,
Mudando itinerários.
Você deve estar fazendo tudo como
sempre fez:
Os mesmos lugares, as mesmas músicas,
as mesmas cores,
Incrustado em passados que são mais
presentes que o agora,
Reproduzindo todos os sons, amargando
todas as dores.
Eu sigo em constantes rompimentos
Com o que me incomoda e engessa
Como se não tivesse amarras ou
convenções,
Embora me prenda ao chão por algumas
razões.
Você deve estar sendo o mais do
mesmo,
Acostumando-se com o ritmo do mundo,
Desfazendo-se de si mesmo diante de
tantos olhos,
Perdendo-se enquanto se esvai o
encantamento pelo dia, por tudo,
Enquanto força-se a (in)delicados
esquecimentos...
(De si? De outros? Do todo?)
Eu, dessa vez, entremeios a cansaço e
desistências,
Abro mão da teimosia,
Aceito o que me foi dado à revelia:
Bebo cotidianos e engulo
contradições,
Descobrindo novos contornos de
prédios antigos,
Novas saídas de ruas conhecidas,
Seguindo ao sabor do vento
Se é que ele tem algum sabor.