Visitas da Dy

domingo, 28 de junho de 2015

Fim da Linha





Pular do trem, afogar as mágoas.
Jogar tudo para o alto, desistir dos planos.
Abandonar o navio, saltar pela janela.
Não há remédio para as dores
Que sofremos ao bater nas quinas da vida.
Nada resolve. Morfina ou aspirina.
E dói. Corrói. Destrói o pouco de sanidade
Esfacela um tanto de humanidade.
E se não há nada a fazer,
Senão aguardar o que já foi prenunciado,
Que o bailado à espera da morte seja belo.
Que a vida tenha ares de salvação,
Que reste a esperança sobreposta à aflição,
Que o amor seja alento e descanso,
Que ele nos salve daquilo que sabemos

Não ter escapatória.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

(Dis)sabores



Você deve estar naquela pausa momentânea
Que desejamos ao longo do dia,
Que é alívio, descanso e livramento da euforia.
Eu estou imersa em um blues:
Não onde começo eu, onde termina ele.
É um som quase tranquilo como eu:
Um monte de quases inconstantes.
Você deve ter planejado todos os detalhes,
Preparado a bolsa, verificado agenda,
Revisado os compromissos com atenção tremenda.
Eu me perco nos espaços da cidade,
Faço um poema meio seco, meio surdo, blasé
Como o tempo frio lá fora.
Você deve estar pelo caminho,
Talvez onde eu o deixei da última vez,
Talvez entre um trabalho e outro, apressado e descompassado,
Ou quem sabe escolhendo onde beber no próximo sábado?
Eu ando cantarolando, lendo outdoors e propagandas,
Escorregando pela seriedade que uso e não me cabe,
Dançando no sentido anti-horário, evitando filas,
Mudando itinerários.
Você deve estar fazendo tudo como sempre fez:
Os mesmos lugares, as mesmas músicas, as mesmas cores,
Incrustado em passados que são mais presentes que o agora,
Reproduzindo todos os sons, amargando todas as dores.
Eu sigo em constantes rompimentos
Com o que me incomoda e engessa
Como se não tivesse amarras ou convenções,
Embora me prenda ao chão por algumas razões.
Você deve estar sendo o mais do mesmo,
Acostumando-se com o ritmo do mundo,
Desfazendo-se de si mesmo diante de tantos olhos,
Perdendo-se enquanto se esvai o encantamento pelo dia, por tudo,
Enquanto força-se a (in)delicados esquecimentos...
(De si? De outros? Do todo?)
Eu, dessa vez, entremeios a cansaço e desistências,
Abro mão da teimosia,
Aceito o que me foi dado à revelia:
Bebo cotidianos e engulo contradições,
Descobrindo novos contornos de prédios antigos,
Novas saídas de ruas conhecidas,
Seguindo ao sabor do vento

Se é que ele tem algum sabor.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Atemporal





Sou de outras línguas.
Não há tradução para o que sou
Nem para o que sinto.
Não há vozes que se assemelhem
A esse trovão que me transpassa
E que me invade,
Tremendo o chão sob meus pés.
Não sou dessa poesia
Nem desse grito
Nem dessa linhagem
Na qual escreveram a sua história.
Da minha história sou só resquícios:
Minhas linhas são de outros tempos
E meus ancestrais nem sei se existiram.
Passeio pelos milênios como se fossem dias
E não alcanço seus passos
Como não alcança os meus:
Seria boa companhia,
Seria a garantia da aurora,
A certeza de que o tempo não se mede em hora,
Mas quebraram as ampulhetas,
Uma a uma, perdendo todos os grãos,
E desfazemo-nos em areia.
E misturamo-nos ao pó das estradas,
E, dos mapas que traçamos,
Seguimos os mesmos caminhos,
Mas, às vezes, na contra mão.
Eu sou de outra poesia.
Uma que não cabe só nas páginas dos livros,
Que não sabe ser contida em silêncios,
Que não consegue ser fixa,
Que não aprendeu a parar.
Minha sina traço em versos
E não caibo senão no mundo inteiro,
Que jamais chegarei a ver as bordas.
Nem latitudes nem longitudes me coordenam
Porque enlouqueci a rosa dos ventos,
Fazendo dela meu catavento
E soprei seus pontos cardeais
Com hálito de café e menta.
Desorganizei os nortes,
Perdi-me nas orientações celestes
E doeram-me os estreitos atalhos
E mudei-me de mim, sendo outras tantas
Como agora sou: mosaica organização de sonhos.
E sou de gritos calados,
De afagos feitos com olhos,
De um espírito que arde,
De palpitações coronarianas .
Engulo desejos não manifestos
E jogo fora as pílulas que não douro.
Se pudesse contar o tempo, contaria,
Mas não me encontraria.
Se pudesse pousar em uma página do calendário,
Faria feriado ou dia de domingo,
Mas sou atemporal
E quanto mais me procuro,

Menos me acho.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Paisagem





Hoje faço parte da paisagem.
Misturo-me aos tons que vão e vêm.
De que aquarela cada um saiu pouco importa.
A paisagem é bela.
É isso que fica.
É isso que sou:
Parte do que vivo,
Parte do que vejo.
Um tanto de arte,
Um tanto de vida,
Um tanto entre molduras,
Uma parte que transborda,
Outra que salta pela janela...

Paisagem.

sábado, 20 de junho de 2015

Zephirus




Ouve além do vento!
Minha voz sussurra seu nome.
Antes fosse um grito, claro, forte,
Mas acostumei-me às delicadezas
E faço delas minhas armas.
Aproveito as noites calmas e quentes
Os iluminados sorrisos da lua crescente
E peço a ela os meus sonhos:
Os que guardo no travesseiro,
Os que tenho de olhos abertos,
Os que nascem nas madrugadas,
Aqueles que compro na padaria.
Peço dias amenos, noites tranquilas,
Seus pés no meu caminho.
Nesse céu salpicado de estrelas,
De histórias incontáveis,
Conto os brilhantes até dormir.
E penso em tudo o que é luz e som
E que se estende para além do tempo.
Admiro, ainda mais a ampulheta:
Ela sim, aprisionou aquele que não para
E que ainda em cárcere,
Não cessa sua jornada.
Agora entendo a areia
Que escorre pelos meus dedos.
Agora entendo as preces
Que se desprendem de meus lábios.
Ouve além do vento!
É por ele que entenderá os segredos
Desta e de tantas outras vidas,
Os meus e os de tantas pessoas.
Ouve além do vento!
E se puder reconhecer uma única voz
Pode ser a de um amor que chama agora:

Vem!?

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Cortes



Cortei-me.
Cortaram-me.
Sou quase feita de retalhos.
Sou cicatrizes que brotaram de profundezas
E, por vezes, ainda doem.
Não há questionamentos ou rancores.
Às vezes, a dor é só um meio
Para reconhecer a felicidade
Na curva do tempo,
No entrelaçado dos dedos.
Há um lamento:
O de não haver cortes
Absolutamente profundos
Ou precisos
Capazes de dissipar vestígios.
Capazes de apagar rastros.
Não há senão o acostumar-se
E o ser e o estar e o tentar,
Cada dia mais,
Valer-me de recortes
Onde minha visão toca
O cruzar de paralelas
E o infinito faz sentido
Em sua anunciada brevidade

Em milagres cotidianos.

domingo, 14 de junho de 2015

Tribunal de Osíris



Injusto é o céu escorrer beleza
Quando minhas mãos
Não estão em conchas
Prontas para lhe apanhar.
Injusta é a hora em que meus olhos abrem
E sobre as linhas que seu corpo emolduram
Não podem pousar.
Injusta a madrugada que abriga seu descanso
E rouba meu sono
Sem o qual desfio horas a lhe desejar.
Injusto é o clarão do meio-dia
Que ofusca minha serenidade
E me entontece com seus risos.
Injustos os passos que nos afastam
E que descruzam nossos caminhos.
Mas haverá justiça
E a pluma de Osíris nos valerá
E todo o belo caberá
Na palma de minhas mãos
Acolhendo os sonhos que tive

De olhos abertos na escuridão.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

(Cons)Ciência



Se o que me cabe são silêncios,
Vestirei-os com a dignidade da realeza.
Fio a fio tecerei a paciência que não tenho
E aprenderei a ponderar.
Aprenderei a esperar.
Aprenderei as medidas que nunca usei
Por acreditar que jamais usaria esses parâmetros.
Igualarei-me  às fiandeiras,
Perderei-me em teias
De histórias, de vidas, de idas
E escreverei na areia
Com o pó cintilante que cai das estrelas
E enevoam meus olhos
Quando olho para a lua que enche a si e ao céu.
Lua que brilha com a luz que não é sua
Mas que aprendeu a usá-la.
E talvez sejam esses os aprendizados:
Enxergar os brilhos escondidos.
Ouvir as preces caladas.
Ouvir as vozes secretas do vento
Que arrepiam a pele
E que me saem de dentro de mim,
Indicando-me que preciso ser, só ser.
Um clarão que rompe a noite,
Uma luz que toca almas,
Um punhado de luz que dança
E que me conduzirá ao ritmo da vida
Ao lugar mais fundo, mais largo
Pela minha própria luz e silêncio,
Pela minha própria mão e poesia.
Através de toda fundura das marés
Através de toda nuvem encharcada de chuva
Através de toda ardência que o céu nega
E que o sol insiste em emitir.
Talvez o silêncio seja para ouvir o fogo,
O estalar das brasas,
Os calores que assustam as noites
E libertam-me dos invernos que crio,
Mostrando-me como ser o inverso
Em verso e prosa.
Talvez o silêncio me caiba
Porque cabe a ele me libertar
E liberta-me de mim e em mim.
E passo a ser o que já era.
Mas agora,

(cons)ciência.

domingo, 7 de junho de 2015

Re-Cordis




“Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração”
Eduardo Galeano.


Escapou-me pela ponta dos dedos um bocado de alegria: era o toque na seda do vestido novo. A sensação aveludada da tensão antes de inaugurar-me no palco das peças que encenei.
A suavidade daquelas alegrias nunca me abandonou. Era a toada da saudade que eu sentia. Era o embalo dos sonhos que eu tinha de olhos abertos. Era o sabor das frutas que desejava morder. O perfume que ficava na blusa, vindo de abraços que não dei.
Escaparam-me lembranças, memórias de lugares que visitei há mais de uma década e que já exalavam, àquele tempo, cheiros de séculos passados. Não porque somo muitos nãos, mas porque corre em mim muitas vidas: a que tenho e as que invento. A que vivo e a que tento traduzir em palavras. A que protagonizo e a que crio os personagens.
Escaparam-me as histórias que quis e as que evitei (com ou sem sucesso) e, tendo cada uma delas, o meu coração como ponto de partida, voltaram a ele como pássaros que alçaram voo, mas buscaram seu ninho de origem depois de exaustos.
Escolheu-me como pousio tudo aquilo que já havia partido de meu coração e lembrei-me da palavra cantada na catedral, em vozes uníssonas e harmoniosas em idioma tão antigo quanto posso imaginar, tão sonoro que não posso calar, tão ancestral que parece me correr nas veias: recordis.

Sim! Todas as lembranças voltaram a passar pelo meu coração e, mais uma vez, eu soube que em mim mora a felicidade de recordar, por mais que experimente também as melancolias. Essas são os temperos para que eu saiba apreciar aquelas quando a sanidade me ameaça abandonar.

sábado, 6 de junho de 2015

Clandestino



Era pra ser um coração inteiro,
Mas estava rachado.
Era pra não ter dor, só cor,
Mas estava apagado.
Era pra se imaginar coisas lindas,
De por do sol a afago de vento,
Mas ninguém pode imaginar
O tamanho da dor da gente.
Entre taças estilhaçadas ou cheias,
Entre corpos quentes e ocos
Pairam sentimentos desconhecidos.
Línguas nunca aprendidas,
Verbos nunca conjugados
De um ser-estar cada vez mais solitário,
Rumando em vias largas
De um mundo vasto e cansado,
Onde já não fazem sentido
Nem o verso
Nem a hora
Nem a fé.
Da solidariedade que me ofereciam
Só as canecas aceitei
E contei os passos tortos que dei
Em invernos mais frios do que a estação
Em que eu me encontrava,
Sendo vagão perdido
Ou parado.
Sem destino.
Na bagagem um dor fina,
Quase fria
Que ninguém compreendia
Nem eu.
Porque no fundo,
Não sabemos de nada
E o pouco que ousamos,
Nunca basta.
E a meia-noite tarda a passar
Como os amores

Que tardam a chegar.