Eram pessoas diferentes. Por mais que possuíssem muitas coisas em comum, chegavam a disputar o primeiro prêmio de cabeça-dura. Não davam o braço a torcer. Não abriam mão de suas certezas por mais incertas que fossem.
As situações eram muito novas: casa nova, roupa nova, comida
nova, móveis novos, vida nova. E lá no fundo uma sensação de que o antigo
faltava. Ou sobrava. Faltava aquela sensação de liberdade, sobrava a ideia de
cobrança, mesmo que ninguém perguntasse para onde ia ou a que horas voltaria. Faltava
a expectativa de o telefone tocar no meio da tarde, sobrava a certeza de que
ele não mais precisaria tocar porque a presença já era confirmada. Faltava espaço
na prateleira do banheiro, sobrava móveis pela casa. Faltava abrir a boca para
declarar a felicidade de se terem um ao outro, sobrava o medo de que tudo
pudesse acabar.
Poderiam resumir os seus dias como uma ponte de madeira velha
sobre um precipício em meio a uma floresta: a paisagem é linda e convidativa,
mas o medo é grande. Há o desejo de seguir e ver o que haverá do outro lado,
mas o medo é grande. Há a certeza de que está com a bússola apontada para o
lugar certo, mas o medo é grande. Há um quê de querer mais que ao mesmo tempo sufoca.
É um querer desquerendo.
Foram descobrindo-se mais e mais naqueles dias. Experimentaram sóis
e chuvas, luas e breus. Comeram manjares e dividiram pão dormido. Saciaram-se
de água fresca e perderam-se na taça de vinho. Agoniaram-se com o cheiro lilás
da saudade e alegraram-se com o cheiro laranja da chegada. Misturavam seus
sentimento e sensações e se descobriam.
Descobriram-se muito. Tanto que se perceberam finitos. Tristemente
limitados. Coisa que tem fim. prazo de validade marcado em etiqueta quase
invisível. Data meio apagada, mas presente assolando o futuro. Iriam acabar. Iriam
perecer. Mais dia, menos dia, conviveriam com o fim um do outro.
Perceberam-se sujeitos sujeitos ao tempo. Eram diretamente
vinculados ao tempo, tempo que extingue, que apaga. Mágoas, dores,
insatisfações, sobretudo. E nenhum sobretudo os guardaria dos ventos frios de
um final.
Encontraram-se diante da revelação de que eram pessoas! Gente que
vive e morre, que tem luz e se apaga, que cresça e definha, que veio do pó e
vira cinzas, que arde com o fogo e nele se consome, que voa e cai, que nada e
se afoga. Que caminha sobre a terra, mas que termina junto dela, beijando o
chão, dormindo profundo, sem pressa, nem dores.
Não precisaram de mais nada para se perceberem tão próximos e
tão distantes, afinal, o último sopro de vida está sempre à espreita. Desejaram-se
um ao outro mais e mais, como boca seca que pede água. Eram poço sem fundo de
paixão e medo e permitiram-se lançar a corda com o balde e saciaram-se na água
fresca que eram para si mesmos.
Acordaram. Despertaram. Abriram seus olhos e romperam aqueles
obstáculos, fazendo de cada novo desafio o único momento que importavam. As cabeças
ficaram menos duras. Os braços se deram e não mais precisaram se torcer. O que
era falta se preencheu, o que era sobra se doou. As situações continuaram novas
e renovavam tudo ao redor, inclusive os olhares, mas aquela sensação de
finitude os aproximou e puderam experimentar um pouco do que era a felicidade. Puderam
aproveitar dentro de si mesmo o que era ser completo pelo outro. Pelo diferente.
E porque eram tão diferentes, acharam-se iguais e seguiram com os seus pés pelo
mesmo caminho, lado a lado, com tropeços, corridas e serenidade, vivendo suas emoções
sem soçobrar, nem sobrar.
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