Visitas da Dy

domingo, 12 de novembro de 2017

Pseudea



Mentem. Mentem todos aqueles textos vazios que lemos nas madrugadas. Mentem as cartas de amor quando prometem eternidades. Não sabem seus autores que o relógio um dia para?
Mentem os sorrisos congelados para as fotos. A efemeridade do clique não deveria merecer tantos créditos. Ou deveria? Seriam esses breves instantes paralisados os nossos reais salvadores nos dias mais tristes? Seriam eles a chave para a volta no tempo, pelos caminhos da memória?
Mentem aqueles que desconhecem as dores ou que dizem lidar bem com ela. A noite chega pra todos. O silêncio. O cansaço. A desistência.
E deve ser esse o ponto de reinício. Ou de início. De ação, pelo menos. De moviment-ação. O descruzar de braços e caminhos. O fim da espera de que as coisas caiam do céu.
E deve ser esse o momento em que os olhos brilham de vontade e a boca se entreabre para deixar o suspiro escapar. E deve ser essa a hora de se segurar as mãos, de soltar o medo e ir.
Mente quem diz não sentir medo algum. Mente quem diz que o caminho é belo. Mas mentem quem só aposta nas sombras. Mente quem acredita que o erro é o desfecho.
E deve ser essa a construção final de toda poesia: ir mais e além do que é dito. Ir mais e além do que se pretendia. Ter a coragem de saber-se  mais do outro do que de si mesmo, porque, se somos em nós, a nossa essência, os valores que construímos, aos outros somos apenas impressões, construções, projeções, reflexos.
E eu gostaria, em dias como o de hoje, ser o reflexo dessa sua retina, pairar nas bordas de seus olhos de café quente: mergulhada nesse monte de mistérios e segredos e descobertas que a vida é.
E eu queria ser, em dias como hoje, a domadora de sentimentos que organiza as racionalidades e encontra a lógica, sem lançar-se passionalmente ao acaso de um bom dia.
E eu desejaria, em um dia como hoje, discordar de todas as verdades absolutas e de todas as meias palavras e de todas as más ações que já vi ou vivi, mas nem sempre o gênio está na garrafa de vinho que abro.
Talvez hoje ele não esteja e mato, gole a gole meus pensamentos mais infantis e os mais adultos: quero permitir-me dormir na leveza, sobre essa cama de uvas, à espera do gênio dos desejos, à espera das saciedades.

Enquanto isso, escorregando na borda da taça, afogando mais um verso ao engoli-lo com o tinto, volto a afirmar que o mundo é cheio de mentiras e mentirosos. E me incluo na lista. Minto quando digo que não acredito. Minto quando me faço poesia. Minto quando digo que não me faço poesia. Minto até quando digo que minto. Porque, para tudo o que sou, há um tudo o que constroem de mim. E, então, serei sempre uma e muitas, conforme os passos que dou e os olhares que me pousam.

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