Mentem. Mentem
todos aqueles textos vazios que lemos nas madrugadas. Mentem as cartas de amor
quando prometem eternidades. Não sabem seus autores que o relógio um dia para?
Mentem os
sorrisos congelados para as fotos. A efemeridade do clique não deveria merecer
tantos créditos. Ou deveria? Seriam esses breves instantes paralisados os
nossos reais salvadores nos dias mais tristes? Seriam eles a chave para a volta
no tempo, pelos caminhos da memória?
Mentem aqueles
que desconhecem as dores ou que dizem lidar bem com ela. A noite chega pra
todos. O silêncio. O cansaço. A desistência.
E deve ser
esse o ponto de reinício. Ou de início. De ação, pelo menos. De moviment-ação.
O descruzar de braços e caminhos. O fim da espera de que as coisas caiam do
céu.
E deve ser
esse o momento em que os olhos brilham de vontade e a boca se entreabre para
deixar o suspiro escapar. E deve ser essa a hora de se segurar as mãos, de
soltar o medo e ir.
Mente quem diz
não sentir medo algum. Mente quem diz que o caminho é belo. Mas mentem quem só
aposta nas sombras. Mente quem acredita que o erro é o desfecho.
E deve ser
essa a construção final de toda poesia: ir mais e além do que é dito. Ir mais e
além do que se pretendia. Ter a coragem de saber-se mais do outro do que de si mesmo, porque, se
somos em nós, a nossa essência, os valores que construímos, aos outros somos
apenas impressões, construções, projeções, reflexos.
E eu gostaria,
em dias como o de hoje, ser o reflexo dessa sua retina, pairar nas bordas de
seus olhos de café quente: mergulhada nesse monte de mistérios e segredos e
descobertas que a vida é.
E eu queria
ser, em dias como hoje, a domadora de sentimentos que organiza as
racionalidades e encontra a lógica, sem lançar-se passionalmente ao acaso de um
bom dia.
E eu
desejaria, em um dia como hoje, discordar de todas as verdades absolutas e de
todas as meias palavras e de todas as más ações que já vi ou vivi, mas nem
sempre o gênio está na garrafa de vinho que abro.
Talvez hoje
ele não esteja e mato, gole a gole meus pensamentos mais infantis e os mais
adultos: quero permitir-me dormir na leveza, sobre essa cama de uvas, à espera
do gênio dos desejos, à espera das saciedades.
Enquanto isso,
escorregando na borda da taça, afogando mais um verso ao engoli-lo com o tinto,
volto a afirmar que o mundo é cheio de mentiras e mentirosos. E me incluo na
lista. Minto quando digo que não acredito. Minto quando me faço poesia. Minto
quando digo que não me faço poesia. Minto até quando digo que minto. Porque, para
tudo o que sou, há um tudo o que constroem de mim. E, então, serei sempre uma e
muitas, conforme os passos que dou e os olhares que me pousam.
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