Desce sobre nós uma nuvem densa, poeira do tempo
perverso que não devia voltar.
Cerca-nos uma densidade opaca, que entumece
discursos tão vazios quanto o estômago das crianças que, até ontem, morriam
desnutridas das boas ações, que só enchiam seus ouvidos de promessas.
Contra essa corrente que quer se prender em meu
tornozelo, carrego um sentimento-verbo: luto.
Por ora, pareço um ser perdido, mais cansado que o
calendário atrasado que quer voltar à parede: temo que ao final do dia eu olhe
a data e seja um-gris-qualquer-de-1964.
Luto em tempos que ninguém me ouve. O que houve?
Há, por todos os lados uma legião de cegos, moucos e roucos... Não os culpo.
Cegaram seus olhos com raios fúlgidos, taparam seus
ouvidos com discursos odiosos, calaram suas vozes com preces pelas suas
sagradas famílias, tão tradicionais (e falidas).
Minhas percepções são outras.
A mim parece ter cabido a resistência ao cansaço
que pousa nos ombros. Restou um amargor de leite azedo pelos seus
discursos-veneno, disparados de suas línguas-serpentes, mas não vou engolir.
Não sou obrigada. Não somos.
Vou arquitetando, como posso, meus meios de
sobrevivência, ensaiando meus gritos de resistência. Vou dando a maior corda
para seu palanque-cadafalso e quero vê-los todos pendurados pelos pescoços,
colarinhos brancos.
Serei não a plateia que assiste ao espetáculo, mas
a força que luta, apoiada por outros que pensam como eu, porque há ainda mãos
que se estendem a mim, que pensam como eu, que lutam como eu.
Há, sobretudo, prioridades e, antes das minhas,
tenho as bandeiras dos meus semelhantes: se não somos, não posso ser. Dependo
do outro e ele de mim. Somos e, por isso, não desisto. Somos e, para isso, o
substantivo vira verbo: luto.
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