Não. Você não
entende nada. Não entende porque eu não expliquei. Nem tive tempo. Faltou
vontade. Em meus dias de transparências (as que vesti pra você) e as que fui,
achei que bulas e manuais fossem dispensáveis.
Não, você não
entende nada porque era alheio a todo sentimento. Pouco sabia das dores ou dos amores, mesmo eu tendo tentado traduzí-los a você. O mundo gira e tudo, hora ou outra, volta ao seu lugar. E todos, hora ou outra conhecerão tudo o que há.
Só agora conhece essa sensação de vazio? Ela raramente me abandona... Só agora
experimentou os abandonos e as sombras que corações selvagens têm como rotina e
companhia? Eis aí o que vivo, indomável coração pulsante, que não corre pelas veias porque sabe que não voltaria ao seu lugar, mas que me empurra rumo ao que (nem sempre sei que) anseio.
Talvez agora você compreenda porque o som da luz do dia me incomoda
tanto: ele não me deixa pairar sobre o cotidiano. Ele me força em espaços
formatados e não caibo nesses lugares. Nasci alada, expansão, sou tanto dos
silêncios noturnos que me sobram estrelas.
Não, você não
entende nada porque não dá corda ao dia. Não sabe ouvir o ritmo que me move e
nem compreenderia a dança leve de meus olhos sobre seu contorno enquanto dormia
longe de mim. Assim, do meu jeito sufocado e quase calado eu o tocava à
distância, sentindo sem, de fato, possuir.
Sou de serenas alucinações poéticas.
Um quê de praticidade e impulso bem calculados de nada: avanço suicida do que
se sente. E ninguém entende...
Não, você não entende a dor que agora bebe
afogada no copo. Eu já a conheci. Já a destilei pra você, já tirei o extrato
mais amargo e converti em minhas poucas doçuras, mas pouco importa o esforço...
o descarte nunca tem valor posto à mesa.
Não, você não
vai entender que me fiz seu espelho e lhe devolvo a paisagem que me mostra.
Seus olhos se fecharam para o que eu ainda nem havia dito e, agora, ao som de
seu próprio eco, são surdos os meus ouvidos.
Não, você não entende porque, no fundo, acha que é melhor a estagnação do que se debater em tentativas e, por gostar tanto do que sempre é, preferiu fincar raízes, enquanto eu me podei para criar asas. Sobrevoarei você, estático querer.
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