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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

As Faces de Janus: Entre o início e o fim, resisto





Cá estamos nós a experimentar o difícil passo sobre o fio da navalha afiada que é o momento em que se golpeia o encantamento e se vislumbra o real esgotamento. Cá estou eu, encarando o papel, transferindo para ele minhas reflexões, como se ele fosse meu espelho.
Não sei bem se cabe afirmar que amor e ódio são faces da mesma moeda, mas asseguro: o encantamento é face gêmea, siamesa, do desolamento. Já adianto que a mim isso pressupõe um crescimento.
Como o deus romano Janus e suas duas faces, contemplamos o início e o fim e já não sabemos se estar no meio disso tudo é benefício, aprendizado ou mera formalidade.
Há em todo início verde, encantamentos de madrugadas tantas, contos de fios de miçanga, tão bem feitos que nem se percebem as teias. Há aquele momento perfeito, os olhares desejosos de futuros, descobrindo-se seres diferentemente próximos e belos e livres e intensos.
Há um quase endeusamento. Todo degrau de escada é altar. Todo riso é cântico sagrado. Toda fala, poesia. E, faz-se do outro um ídolo, um amuleto bom, a boa sorte de todo o dia.
E vislumbra-se a juventude estampada e feliz de quem ainda crê no benefício da dúvida. De quem ainda ouve a tempestade como sinfonia e faz das gotas de chuva elixir divino escorrendo no canto da boca molhada pelo beijo.
Mas a tempestade segue seu caminho e despeja sobre nós bem mais que água transparente. Derrama inquietudes. Derrama sombras. Esconde o nosso sol e a voz do trovão encobre a melodiosa rima que ouvíamos um da boca do outro.
Não que isso seja ruim. Não que isso seja o fim. Não que seja a tragédia anunciada, mas é a outra face de Janus a nos sorrir ou a nos mordiscar os sentidos.
Caem sobre nós cântaros de realidades, lavam-se as maquiagens, emudecem-se os sons. Somos confrontados com a humanidade (a nossa, a do outro, a do mundo). E essa humanidade pode ser cruel, por excesso ou escassez, porque não obedece aos parâmetros que sonhamos.
O ídolo se desfaz. Herói vira vilão. O amor se esquece que era poesia, estaciona no bom dia, agoniza na frustração nossa de todo-o-dia. Mas não é o fim. É a transmutação da projeção ao real. É a solidificação das essências.
Se somos seres apaixonados, flertamos com Janus e beijamos suas faces: do amor extremo ao desprezo, precisamos do equilíbrio.

Ao encarar Janus experimento o déjà-vu, de minhas tantas histórias e entre o início e o fim, padeço, cresço, resisto e busco o tal equilíbrio. A esse, longe de ser apenas sonhos, longe de ser apenas dureza, sou salva. Somos todos salvos pela coerência e a dádiva de sermos humanos e poder, sobretudo, refletirmos e (re)construirmos de novo e de novo. 

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