Eu também já quis pular. Já sentei nessa beirada de abismo e olhei lá
para o fundo que não se vê. Quis ter asas. Quis ver até onde ia a minha
coragem. E até onde era esse fundo. Se é que um dia ele se acaba.
Já sentei na praia para ver o dia morrer. Já sentei na praia para ver o
dia nascer. Já imaginei as dores da noite parindo a aurora e suas cores
teimosas, rasgando o que sobrou da madrugada.
Eu já quis perder os sentidos e a memória. Quis acreditar que as dores
da alma não eram de fato sentidas. Quis fugir. Quis afogar-me na imensidão do
nada, esquecendo-me e fazendo-me esquecer da face da Terra, apagada de qualquer
história.
Eu já quis morrer de amor. Já quis morrer de raiva. Morrer de medo ou de
rir. E buscava justificativas plausíveis para todas as minhas vontades e, nem
sempre, encontrava.
Já acreditei que todos os loucos tocam a santidade. Que os sonhos de
voar eram só meus. Que as explicações existam. Que o caos não tinha fim.
A cada dia e a cada nova vontade, descobri as faces da sede. Desses caminhos
áridos, difíceis de serem caminhados. Secos. Solitários. Asfixiantes. Distantes
das nascentes.
Eu também já pensei em jogar a toalha. Já vi as forças acabarem. Vi o
fim do dia, do mês, do ano. A troca das estações. E respirei fundo. E tomei um
impulso. E recuei. E não era medo. Ao contrário. Era coragem. Muito mais do era
preciso para pular, era a de ficar.
Ser forte quando se desconhece o próximo passo é difícil, mas vale a
pena. Então, olha o abismo. Contempla a sua vastidão. Encanta-se com o perigo, mas
recue. Não pule. Suas asas não foram feitas para isso, mas para voar alto.
Não se projete rumo ao fundo. Se saltar, que seja para alçar o voo e ver
de perto o entardecer, onde o dia se redescobre e se recolore, onde a brisa
encerra a sede e onde o cais é um porto seguro, sem tantos lamentos, sem sufocar-se
com os ais.
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