Visitas da Dy

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Entardecer



Eu também já quis pular. Já sentei nessa beirada de abismo e olhei lá para o fundo que não se vê. Quis ter asas. Quis ver até onde ia a minha coragem. E até onde era esse fundo. Se é que um dia ele se acaba.
Já sentei na praia para ver o dia morrer. Já sentei na praia para ver o dia nascer. Já imaginei as dores da noite parindo a aurora e suas cores teimosas, rasgando o que sobrou da madrugada.
Eu já quis perder os sentidos e a memória. Quis acreditar que as dores da alma não eram de fato sentidas. Quis fugir. Quis afogar-me na imensidão do nada, esquecendo-me e fazendo-me esquecer da face da Terra, apagada de qualquer história.
Eu já quis morrer de amor. Já quis morrer de raiva. Morrer de medo ou de rir. E buscava justificativas plausíveis para todas as minhas vontades e, nem sempre, encontrava.
Já acreditei que todos os loucos tocam a santidade. Que os sonhos de voar eram só meus. Que as explicações existam. Que o caos não tinha fim.
A cada dia e a cada nova vontade, descobri as faces da sede. Desses caminhos áridos, difíceis de serem caminhados. Secos. Solitários. Asfixiantes. Distantes das nascentes.
Eu também já pensei em jogar a toalha. Já vi as forças acabarem. Vi o fim do dia, do mês, do ano. A troca das estações. E respirei fundo. E tomei um impulso. E recuei. E não era medo. Ao contrário. Era coragem. Muito mais do era preciso para pular, era a de ficar.
Ser forte quando se desconhece o próximo passo é difícil, mas vale a pena. Então, olha o abismo. Contempla a sua vastidão. Encanta-se com o perigo, mas recue. Não pule. Suas asas não foram feitas para isso, mas para voar alto.

Não se projete rumo ao fundo. Se saltar, que seja para alçar o voo e ver de perto o entardecer, onde o dia se redescobre e se recolore, onde a brisa encerra a sede e onde o cais é um porto seguro, sem tantos lamentos, sem sufocar-se com os ais.

0 Comentários:

Postar um comentário