Sentia fome. Uma fome de vida. Ou seria de viver?... Queria todas as
experiências que não caberiam em suas mãos e nem em nenhuma mala e tampouco
seriam alcançadas ali da janela do oitavo andar.
Era faminta pelas pessoas. Queria devorar cada uma delas. Conhecer cada
vírgula de todas as histórias. E entender onde doíam as feridas. Desejava,
sobretudo, curar todas as dores.
Tinha fome do que era, do que pensava. Queria ir sempre além, enxergar
atrás da curva da luz, além de onde o vento pousava. E inquietava-se por não
conseguir.
Sentia no peito a fome que só os silêncios prolongados podem
proporcionar. E desejava engolir todas as notas, de toda dó ao sol mais
fascinante, para que pudesse, em dias mudos, abrir a boca e fazer ressoar pela
casa sustenidos e bemóis que a saciariam.
Era dona de uma fome pelo futuro que saciava olhando para o passado,
redescobrindo coisas, esmiuçando os nãos ditos para entender todos os ditos.
Virava páginas para escrever novos parágrafos, como se debruçada na borda de
uma fonte dos desejos, em que seu reflexo traria respostas.
Tinha fome de fogo, de aquecer tudo o que era frio. De estreitar os
laços, dar as mãos, sentir o toque e o calor das peles e das fogueiras que
ardem dentro de cada um.
Sentia fome de azul, como se pudesse, um dia, degustar todo o azul do
céu, como ele fosse capaz de aplacar as melancolias e os apertos cinzentos das
almas cativas em peitos-de-gaiola construídos sem intenções de aprisionar.
Desejava comer partes dos caminhos, misturados a saladas de flores, bem
coloridas, bem perfumadas, bem leves, cheios de desconhecidos. Prontos a serem
desbravados.
Sentia uma fome que não cabia em si. E a compartilhava com o vento, na
esperança que outros famintos como ela a ouvissem e se ajuntassem a uma só voz,
clamando pelo cardápio de novos sabores, muito diferentes de todos aqueles que
já se fazia conhecidos.
Sentia uma fome pelo novo. Pelos horizontes, pelos segredos nunca
revelados, pelas releituras da vida, sentia uma fome de si mesma e se saciava
quando se encontrava nas páginas que escrevia.
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