Pelas galerias
do museu ela parava diante de algumas obras e chegava a se confundir com elas.
Era quase uma mistura de pinturas de Van Gogh. Os Girassóis lhe douravam os
cabelos com toques dos Campos de Trigos.
Nos olhos
trazia brilhantes como das Noites Estreladas sobre o Róldano. Cores de uma ou
outra Natureza Morta lhe coloriam os lábios e a face e em sua respiração
podia-se sentir uma paz de Lírios do campo.
Era quase uma
obra de arte, feita com o capricho dos deuses, ao mesmo tempo delicada e forte.
De aparência tranquila, comum aos olhos de todos, mas ali dentro, um turbilhão.
Longe dos
olhos que a percorriam, por dentro, ela tremia mais do que folhas ao vento.
Mais do que a árvore onde o balanço da criança não para. E poucas pessoas
seriam capazes de lhe conferir a devida atenção, o devido afago, o silêncio que
compreendia.
Como cada um
que ali passava, olhando os tantos quadros, ela se emocionava imaginando o
desespero de se pintar-se mutilado. Como deveria ser arrancar de si mesmo um
pedaço por amor (ou de amor)? E como seria olhar-se e saber que mesmo a parte
amputada ainda parecia estar ali?
Curioso é
tentar arrancar o que foi parte nossa. E ela tateava essa sensação agora.
Sentia o formigamento no peito que ainda sangrava, inapaz de cicatrizar-se tão
rápido. Suportar dores que sufocam, que apertam e que mesmo depois de curadas irão
corroer algum lugar, ainda que seja ali, em um cantinho da unha.
E o pintor se
arrancou. Se enviou em carta à amada. E se perdeu por julgar ter se encontrado
nela. E se perdeu de si. E saiu de si. E quantas vezes ela saiu de si para se
achar e não encontrou nada? E quantas vezes quis arrancar as próprias dores e
jogá-las fora? Inúmeras vezes, mandaria todas elas ao remetente,
presente-de-grego-devolvido.
Parecia uma
expectadora comum, admirando as pinceladas, sã, consciente da beleza da arte,
mas era, em verdade, muito mais do que isso. Era quem enxergava a pressa do
pincel, marcada pela agonia de se ser, de saber-se existir e de desejar sumir.
Comportava-se
como mais uma visitante da exposição, mas quase tocava o intangível momento em
que se finaliza a obra e não se dá nada por ela a não ser o título de desabafo.
Observava calada,
mas gritava uma compreensão que o artista, talvez, buscasse entres as cores e só
agora alguém respondia.
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