Ela não era
como a maioria das pessoas. Tinha uma espécie de luz própria. Irradiava alegria
mesmo quando não estava feliz. Momentos de infelicidade em sua vida eram raros.
Não sabia
ficar parada. Não gostava do silêncio, a menos que fosse um silêncio
acompanhado, daqueles em que os olhares falam muito mais que qualquer palavra.
Cantarolava o
dia todo.
Dançava no
meio da rua.
Não se
importava com os olhares curiosos.
Muitas vezes
ela se perguntava o porquê de as pessoas não se olharem nos olhos, não se
desejarem um “bom dia” sincero, não aproveitarem melhor os seus dias, amando a
si mesmas e, com sorte, os outros.
Adorava se
perder observando coisas simples. Sorria o tempo todo. E o sorriso era largo,
enchia os espaços vagos a sua volta. Um dia chegou a ouvir de alguém que ela
era luz para os dias cinzas. E ela adorava essa ideia. Adorava pensar que ela
podia mudar o dia das pessoas, colorir a monotonia com uma caixa de lápis de
cor bem grande que trazia entre suas nuances tons de azul-saudade,
verde-tranquilidade, vermelho-alegria, azul-profundo-de-mar-de-fim-de-semana,
cinza-riscadinho-de-abraço-apertado, ou
marrom-chocolate-de-fim-de-tarde-outonal.
Como todas as
manhãs ela acordou, enfiou-se num vestido rodado e saiu cantarolando pelas
ruas. Ao cair da tarde atreveu-se a ir ver o mar. Ela amava o mar como se ele
fosse necessário para ela viver. Era capaz de passar horas sentada diante dele,
só olhando, respirando aquele ar úmido, sentindo o gosto de sal na boca. Foi o
que aconteceu. Passou horas sentada na praia naquele dia. Viu o sol se por e a noite
chegar. As estrelas pareciam um bordado brocado no céu. Lá longe viu um
pescador lançando a sua rede. A sutileza daquele momento a encantou: era
fascinante ver como o homem tão cuidadoso lançava a sua rede naquele azul para
tirar dele pequenos corpos prateados que saciariam a fome de outros homens que
nem imaginavam como aquele alimento chegava às suas mesas.
Voou em seus
pensamentos e revisitou todos os seus sentimentos. Observou que ela tinha
motivos de sobra para SER uma pessoa FELIZ e não TER apenas alguns momentos de
felicidade como as pessoas diziam ser... começou a elencar uma lista de seus
principais motivos de alegria. Lembrou de seu poema favorito, que nunca havia
conseguido decorar; lembrou de um outro poema, sobre um barqueiro, lido na infância.
Fechou os olhos e sentiu o abraço capaz de parar o mundo acompanhado de um
beijo doce, perdidos em olhos verdes de mar.
Alta noite já
se ia e ela continuava a viajar naquele barco a remo distante sem que saísse da
areia. De repente ela sentiu que embora tivesse muitos motivos para ser feliz,
ainda faltava algo. Olhou para o lado e a praia estava deserta. Uma lágrima
escorreu. Uma estrela se jogou. Ela começou a entender o sentido da vida. A delicadeza
do vento e o vazio de seu coração. Entendeu que era feliz, mas que havia uma
busca a fazer. Voltou a olhar para o barqueiro, silhueta solitária. Em seu
coração agradeceu-o pela lição. Levantou e correu pela areia a caminho do mundo
inteiro a ser descoberto e de pessoas a serem encontradas.
Ela não podia
ver, mas naquele instante transformou-se numa luz forte: tão inquieta quanto
brilhante.
***Para Geneci, companhia de caminhadas nas areias de Icaraí, testemunha ocular de meu encantamento pelo pescador em seu pequeno barco a remo...***
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