Não havia
dormido bem. Era uma noite quente, abafada e ela se revirou na cama por toda
madrugada. O pouco que dormiu teve pesadelos. Não se lembrava bem de como eram,
mas sabia que eram densos, agonizantes.
Tomou uma
xícara de café sem açúcar, que não era mais amargo do que os seus sentimentos.
Acendeu um
cigarro, mas não tragou. Apenas olhava a brasa consumir o tabaco e a fumaça
subir lentamente, traçando linhas desconexas pelo ar. Em sua cabeça as palavras
assumiam aqueles mesmos rumos: emaranhavam-se e não expressavam nenhum sentido.
Passou a manhã
toda absorta. Perdida entre pensamentos e divagações que não a levaram a lugar
algum. Não respondiam suas dúvidas, não lhe apresentavam novos problemas. Naquelas
horas ela não viveu. Apenas existiu como se fosse alheia a tudo à sua volta.
Já no meio da
tarde resolveu olhar pela janela, mas a paisagem não a agradava. Nada tinha
nexo. Nada lhe trazia paz. Seus olhos buscavam a tranquilidade, mas não
encontravam. Por longos minutos olhou pela janela, moldura de um mundo em
movimento, mas não se encontrava naquela pintura. Ela se sentia um personagem
descolado.
O silêncio
chegava a incomodar, como um grito que ecoava pelas paredes nuas da sala. O sol
que se escondia enchia a sala com uma penumbra característica das tardes de
outono. Em um ato automático ela acendeu o abajur e uma luz amarelada encheu o
vazio da sala, mas nada era capaz de preencher o vão que ela sentia no peito.
Voltou a
jogar-se no sofá. Buscou uma saída pelo teto. Observava atenta cada milímetro
daquele retângulo contornado com sancas que ela detestava. Não havia saídas de
emergência. E se houvesse as saídas ela não saberia para onde ir.
Correu os
dedos pelos cabelos embaraçados e enrolou-os pelas pontas. Sentia seu corpo
dormente. O peito começou a apertar. Sua mente ficava confusa a cada minuto que
passava. Aos poucos lembrou o que a deixava naquele estado de letargia: era o
excesso.
Um excesso tão
grande que, além da pressão no peito, começou a apertar a garganta. O ar começou
a faltar. Ela tentou respirar mais fundo, mas o ar não vinha. Tentou abrir a
boca numa tentativa quase desesperada de busca pelo oxigênio, mas a boca não
abria.
Ela sofria de
excessos. Excessos de palavras não ditas, que embora tenham lutado para sair pela
boca por muitas vezes, foram trancafiadas no coração, por uma boca amordaçada
pelo que ela chamava de falta de coragem, medo, falta de tempo, descrença ou
simples falta de oportunidade. Para justificar a sua boca muda tinha argumentos
que não convenciam a ninguém, nem a ela mesma. Mas era melhor mentir para si
mesma do que enfrentar os seus próprios fantasmas. O que ela não sabia era o
risco que corria.
Privou-se de
seu direito ao grito. Privou-se de seu direito de falar o que o coração sentia.
Trancou a boca com cadeados invioláveis e agora sentia o peso que essa atitude
tinha. Não sabia lidar com as palavras que lhe pressionavam em seu íntimo.
Sofria de
excessos. E os excessos cresciam a cada segundo em escalas exponenciais. Cresceram
tanto que agora saltavam pelos olhos dela em forma de lágrimas de sal e
cristal: pareciam cortar a carne à medida em que rolavam.
Sofria de
excessos. As palavras não ditas causavam dores agudas. Ela já não sabia o que fazer.
O ar continuava a faltar. Os olhos já não viam com clareza. Os sentidos
começaram a falhar. As pernas ficaram dormentes. Os braços amoleceram. Lentamente
ela foi morrendo.
Quando a lua
encontrava-se alta seus raios entraram pela sala e iluminaram o seu corpo
inerte no sofá: havia morrido. Alguém ousou perguntar:
– Morreu de quê?
– Se sufocou com as palavras que nunca disse.
2 Comentários:
lindo texto, uma autentica rodriguiana...
Cara Adeline
Realmente,a Dy mostra qualidades literárias e o texto enviado, pequeno mas completo, denota sua tendência na condensação necssária aos gêneros conto e crônica. Observo haver reparos a fazer em sua escrita, poucos mas há.Meros detalhes sanáveis com a constante leitura de outros autores e atenta releitura das próprias obras (escrever dá trabalho,gente!).Outro detalhe: a autora me parece muito jovem ainda para mergulhar em temas tão depressivos. Acho que ela deve usar seu talento inegável para contar histórias até intrincadas, sim, mas sem tanta tristeza. Focalize o amor, as ilusões, as paisagens e até ficção científica, mas nos dê emoções fortes e alegres. Com aplausos do Antonio Soares -ASO.
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