Visitas da Dy

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Invernos e verões

 



Já era entardecida quando chegou,

Na lua minguante da vida,

Quando as horas se preenchem em si.

(Quando as noites são todas iguais.)

Já era antiga no tempo em que nasci:

Amarelada folha de verso longínquo,

Esquecida em berma de Caminho Novo.

Um ente pairando nos dias

Como quem espera sem saber.

Era preciso ser mais para que me alcançasse:

Ser pouco mais que a vertigem dos inícios.

Ter a coragem de encarar um incêndio

E partilhar das chamas  (despertas).

Já era brasa recolhida em inverno

Mas, soube-me (ver) bem além:  

Tinha vocações de verão.

Da vida pouco se sabe.

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Brechas e Ruídos

 




Brechas se abrem em meus ouvidos

E ruídos passageiros entram.

Ocupam as vias de meus pensamentos.

Onde o futuro lateja, o passado ainda uiva.

São nas madrugadas longas e frias 

Que eles habitam e se mostram,

Agora, acordados pelos ruídos roucos.

Sob efeito da imaginação caço a todos.

Calo as memórias ansiosas: é fogo cruzado

E vou deixar o mundo todo queimar.

Serei o raio e o trovão que arde e assombra.

Primeiro em mim, espantado os ruídos,

Contemplando os silêncios,

Fechando as brechas.

Depois, pelo lado de fora

Onde ninguém percebe o caos.

A poeta esconde bem os restos turbulentos 

Do que foi seu medo real.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

(In) consciente Movimento

 



Quantas vezes eu a quis matar?

Sufoca-la em minha garganta,

Ver suas migalhas pelo chão...

Não é de hoje que a poesia me cansa

Com sua beleza que me dói,

Com seus sentimentos que desconheço.

Corro de suas palavras, 

Mas suas vozes não me abandonam

E, por mais que eu desista, ela me habita

E tudo o que ela me pede é vida.

É que eu me permita parir seus amores.

Que me talhem as veias:

Preciso ser escrita pela poesia.

Essa que me grita aos ouvidos.

Essa que me consome e alimenta.

Essa que me traz alento e faz seguir.

Essa a quem já quis matar e acolho

Porque é tudo o que sou:

(In)consciente movimento.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Porquês

 



Por que escrevo?

Porque as palavras me assombram.

Porque me espantam sua capacidade de traduzirem sentimentos.

Em mim cabem todas as palavras do mundo.

E todas são tão parte de mim quanto o que desconheço.

E, entre todas, o amor.

Esse que me soa como uma fratura,

Algo que temo pela dor que pode vir.

Mas, que não busco bem evito: espero.

Posto que é chama 

E gosto de incêndios.

E quando ele, o amor, chegar...

Oxalá, soe-me como liberdade:

Da entrega ao caminhar.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Tempo-mar

 



Não se tratam dos tempos dos relógios,

Dos calendários desfolhados,

De quantas voltas deu ao mundo.

As idades sempre mentem em si mesmas:

Nunca revelam as almas,

Nem as esperas, nem os desejos.

Tratam-se dos céus que observou,

Das luas que lhe inspiraram

E de quão acordados seus olhos estavam

No instante exato da chegada do sonho.

Trata-se do momento em que se transborda

E toda margem é pouca

Porque o rio da vida desperta

E segue pelo tempo-mar:

Navegar... 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

O que não digo

 




Talvez eu lhe escreva um tanto de coisas

Ou deixe as palavras por dizer.

Afinal, dia desses, de soslaio

Ouvi que o meu silêncio também fala.

Talvez eu cante ao seu ouvido

Qualquer coisa entre Belchior,

Vinícius, Caetano, Chico.

Talvez você entenda o que quiser,

Linhas, entrelinhas, revelações.

Eu, por aqui, ainda meço os passos,

As horas e as saudades

E as sussurro nas madrugadas.

Quando me ouvir, venha.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Rotina

 



É curioso como mas madrugadas,

De olhos fechados,

Só duas coisas me vêm aos ouvidos:

Seu nome e Poesias.


Escrevo todos os dias

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Animais

 





Somos dois animais

Dóceis à luz do dia,

Amansados pela palavra,

Com as almas dormentes,

Preguiçosas, estiradas sob o sol.

Mas, a transformação é púrpura

E ocorre em nosso entardecer.

Somos dois animais

Selvagens e noturnos,

Insaciáveis no encontro,

Sedentos de lua e suor.

Qual de nós consumirá o outro?


sábado, 20 de fevereiro de 2021

So(m)bras

 




Ensinou-me, sobretudo, profundidades:

Do riso ao abismo.

Mesmo quando hasteei a bandeira da paz

Mordia-me os sonhos

E os atirou aos meus pés.

Reduziu à loucura o que era amor.

Meu peito-manicômio se (de)bateu

E de tanto chorar adormeceu.

Ainda lhe vejo, mas, agora

É só a so(m)bra do que amei.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Ao Senhor das Estradas

 




Era um dia comprido e cansado

Desses de véspera.

De tanto caminhar,

Sentei à beira, na poeira, 

Com pés a desenhar mais que nadas.

E era a beira de sua estrada.

E eu era agora um tanto tímida,

Um tanto espera:

Não que seja habituada a invasões de terras,

Mas, às sombras de um pé-de-verso,

Árvore frondosa como no paraíso,

Encontrei uma  semente querendo florescer

Escrevo-lhe, senhor da estrada,

Com muita vontade  e pouca fé:

Deixa-me aqui a colher sua poesia

Desfolhada no outono alaranjado

Por elas sorrio e amanheço 

As noites que tenho em mim.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Versos de Presente

 





Na falta do presente

Que se abre pela ponta dos dedos

Desfazendo embrulhos de seda e fitas,

Cabe-lhe um sobressalto de empréstimo:

Pego, aqui e ali, palavras bobas,

Outras tontas de vinho,

E organizo com dedicada ordem.

Mentira! Eu sou uma desordem!

Que seja!

Pois, que pego palavras que não são minhas,

E juro que agora são suas.

Presente tolo de quem passa horas entre margens

E não sabe o que poderia ser de valor

Eis que oferto desejos:

De luzes e festas, saúdes e sonhos,

E tudo o mais que puder chamar de seu

Para que os novos dias valham a pena

Para que tenha força, coragem 

E conquiste um pedaço de céu.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Sobre o verso




As nuvens rasgadas anunciavam,

Inclementes, o dia vindouro:

Entre azuis e castanhos.

O café e o céu.

Contrastes.

Um tanto de verde, janela, livro.

Outro tanto de cheiro, preguiça, folia.

Lá fora, a rotina, o tempo, o ritmo 

Aqui dentro descompasso e harmonia:

Não há outro recurso para a escrita.

Desde o início dos tempos,

Desde que a tinta se fez compreendida,

Só os absurdos dão sentido à poesia.