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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Coleção




Experimentada a crueza do mundo, as crueldades vãs, sem vantagens ou ganhos, era para o coração cansar de apanhar, parar de sangrar, estancar, se acostumar. Ainda conservaria as dores, as lembranças. Ainda empalideceria ao ouvir passos, ainda tremeria com aquela voz, mas, aos poucos, secaria a fonte.
O cansaço deveria fazer algum efeito, anestesiar, desmoronar os castelos de sonhos, das cartas não escritas, das não respondidas. As pedras dos caminhos deveriam quebrar o restante dos sentimentos, juntar-se aos pedaços de mim no chão, misturar as peças do quebra-cabeça da vida e me fazer parar.
Depois da badalada do relógio na madruga fria e insone eu deveria só dormir. Deveria desistir das camuflagens noturnas, mas ainda sinto que as tristezas não se encerram e que eu não sei para onde irão, mas me abandonarão.
Eu sei que deveria deixar tudo voando, tudo sair pela janela, tudo explodir em migalhas, mas, diante dos quadros estáticos, eu passo, pinto a vida, sou tinta e mesmo sabendo que as palavras não pousarão em seus ouvidos, que as saudades vãs não lhe tocarão a pele, resistirei.
Eu sei que deveria apagar tantas coisas entre nomes e telefones, mas as lembranças não irão junto, então, as faço coleção e as deixo aqui, se (de)morando em mim, partes minhas, histórias minhas, lamentos meus, chuva de verão na vidraça de meus olhos-paisagem.
Eu sei que deveria cessar o canto-pranto-grito, mas ainda sobra fôlego para chegar até o fim do caminho, onde os ecos do passado se calam e o oco do peito se preenche com a esperança madura de quem soube engolir o azedo-verde.

Deveria ser tudo pluma, mas o ar é denso quando não se aprende a respirar e só agora, sem ter as mãos atadas às suas é que toco o chão quando salto do céu, quando meu vestido paraquedas estaciona no chão do quarto.

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