Experimentada
a crueza do mundo, as crueldades vãs, sem vantagens ou ganhos, era para o
coração cansar de apanhar, parar de sangrar, estancar, se acostumar. Ainda
conservaria as dores, as lembranças. Ainda empalideceria ao ouvir passos, ainda
tremeria com aquela voz, mas, aos poucos, secaria a fonte.
O cansaço
deveria fazer algum efeito, anestesiar, desmoronar os castelos de sonhos, das
cartas não escritas, das não respondidas. As pedras dos caminhos deveriam
quebrar o restante dos sentimentos, juntar-se aos pedaços de mim no chão,
misturar as peças do quebra-cabeça da vida e me fazer parar.
Depois da
badalada do relógio na madruga fria e insone eu deveria só dormir. Deveria
desistir das camuflagens noturnas, mas ainda sinto que as tristezas não se
encerram e que eu não sei para onde irão, mas me abandonarão.
Eu sei que
deveria deixar tudo voando, tudo sair pela janela, tudo explodir em migalhas,
mas, diante dos quadros estáticos, eu passo, pinto a vida, sou tinta e mesmo
sabendo que as palavras não pousarão em seus ouvidos, que as saudades vãs não
lhe tocarão a pele, resistirei.
Eu sei que deveria
apagar tantas coisas entre nomes e telefones, mas as lembranças não irão junto,
então, as faço coleção e as deixo aqui, se (de)morando em mim, partes minhas,
histórias minhas, lamentos meus, chuva de verão na vidraça de meus
olhos-paisagem.
Eu sei que
deveria cessar o canto-pranto-grito, mas ainda sobra fôlego para chegar até o
fim do caminho, onde os ecos do passado se calam e o oco do peito se preenche
com a esperança madura de quem soube engolir o azedo-verde.
Deveria ser
tudo pluma, mas o ar é denso quando não se aprende a respirar e só agora, sem
ter as mãos atadas às suas é que toco o chão quando salto do céu, quando meu
vestido paraquedas estaciona no chão do quarto.
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