Experimento, mais do que nunca, o paradoxo da vida. Essa alegria
dolorosa, esse esvair de tempo que parece infinito sob nossos pés, esse
caminhar na beira de um abismo que não admite paradas nem desistências. É um
lobo que nos desafia por fora e por dentro. Que olha nos olhos, que pisa em
brasas, que descansa admirando a lua. É um leão feroz que ruge em nós e para nós,
impulsionando. Talvez viver seja só isso: saber-se lobo ou leão. Domar-se e
deixar-se livre, sem medidas exatas. Só seguindo as trilhas.
Busco equilíbrios para que eu não caia daqui do alto desse abismo. Há a
possibilidade do voo, eu sei, mas ainda não são claros os limites de minhas
asas. Ainda desconheço o tamanho da minha coragem frente à queda livre da vida.
O que sobra é a consciência de que mais um dia, menos um dia, o caminho se
estreitará e terei de me lançar.
Viver talvez seja cavalgar nesse leão selvagem. Seja desenvolver a arte
de domá-lo. E esse leão me habita e eu habito nele, somos um. É como a primeira
noite de um viajante sob um céu desconhecido e almejado. É como uma insônia
ansiosa e alegre, que cede lugar à aflição quase sufocante das expectativas que
crio. E das dores que degusto ao recolher meus cacos pelo chão.
O paradoxo é tamanho que já busco consolo frente ao natural. Ao rumo
certo que todos tomaremos um dia, mas que causa absurdos em minha alma e revira
todos os conceitos semiperfeitos que construí ou me apropriei ao longo da
jornada.
Se a via é de mão múltipla, o destino é um só. A linha de chegada está
no mesmo lugar para mim, para você, para todos. E sobre isso há a pseudo ignorância
que me dá calmaria e possibilita respirações tranquilas.
O problema está na evidência. Evidenciada a brevidade do tempo, a
efemeridade, bebo goles amargos de realidade, de consciência, doses cavalares
de pontos finais inevitáveis que me tiram o sono, me arremessam em vales de lágrimas
mais salgadas do que pensei.
Volto a cavalgar meu leão indomado e transformo-me nele: sem rumo. Sem o
menor senso de direção, por mais que saiba que só posso ir para frente. Do fundo
de meus quereres impossíveis não desisto. Há a fé. Há, sobretudo, a simpatia
pelos milagres: os pequenos que observo e guardo na lembrança e os imensos,
dignos de odes, que espero.
Volto a transformar o vale de lágrimas em vale de cristais. É uma
tentativa de colorir o entorno. É uma tentativa de desenhar arco-íris com giz
nas paredes recém pintadas de cinza. Funciona. Distrai. Acalma.
Domo o meu leão. Domo-me a mim. E lembro, mais uma vez, que estou à
beira de um abismo, que a caminhada é inevitável e necessária. Que tenho asas e
as saberei usar. Que tenho dores e saberei curá-las. Que tenho paisagens que
inspiram e as cantarei em poemas. Que construirei meus castelos de areias ou de
nuvens, mas não me pouparei os esforços de ser e fazer.
Talvez a vida seja só isso. Exercício diário de tentativas de se
entender os paradoxos e mirar como se houvesse um alvo cuja recompensa por acertá-lo valha toda essa pena, todo esse esforço. Tento.
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