Entre as
quatro paredes que se faziam cegas ante a todos os tipos de casais que se
despiram ali, a nudez jamais havia sido completa.
Desabotoadas
as roupas, largadas ao chão, misturando-se em uma quase confusão de ansiedades,
vontades e pressa, os corpos eram só isso. Vitrines opacas de algo bem maior,
mas não completamente visível, talvez sequer insinuado.
Os corpos se
exibiam como texto em braile, prontos a serem tateados, superfícies sensoriais
não menos enigmáticos que os códigos antigos. Não menos incompreendidos que os esconjuros de séculos passados.
Naquela hora e
pelas poucas que se seguiram, eles se bastavam. Mas sabiam-se poucos. Sabiam-se
muito mais líricos e íntimos do que aquela aparente nudez carnal que logo seria
um balé de saciedades quase tão breves quanto a nota solitária de um violão ou
um primeiro gole de vinho encorpado. Um respiro. Um suspiro.
A completude
da nudez nem sempre necessita da ausência dos tecidos, emaranhados de fios e
estampas, mas tão somente do retalhamento (da carne) e da exposição (não livres
de dores e medos) dos remendos que guardamos no peito. A nudez de fato é a
exibição do coração, da alma, do que se sente. É preciso deixar nossa composição
à vista, sem prazos. Quase uma partitura aberta, pronta a ser tocada com a
suavidade e a urgência que cabe a cada nota.
Talvez seja
por isso que aquelas paredes se faziam cegas: estavam cansadas das
superficialidades, das banalidades, dos lugares comuns que presenciavam. Ainda não
tinham experimentado a verdadeira nudez de nenhum de seus ângulos. Nenhuma
entrega real, sincera. As paredes estavam exaustas da mesmice, da sensação de deja vu que ecoava pelo quarto a cada
novo casal.
Imóveis, as
paredes só podiam esperar por um pouco mais de sinceridades reais, de
aberturas, de essências, de pessoas que estivessem dispostas a se permitirem de
verdade.
Enquanto isso,
o tempo passava, os corpos passavam e só permanecia a sensação de que algo
sempre se perdia entre as várias oportunidades da experimentação da nudez que
ficam pelo chão.
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