Visitas da Dy

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Achismos


Descobriu que tinha um coração em uma manhã qualquer. O que a acordou foram os sons altos das batidas descompassadas.
De início não sabia o que era e muito menos de onde vinham os sons. Fazia silêncio, mas sentia-se ensurdecida. Olhou para o seu peito e descobriu um tambor ali dentro. Ou seria uma caixa sonora onde poderia guardar seus sentimentos a partir de então?
Caminhando por um jardim percebeu que borboletas voavam em seu estômago. Tentou matá-las com um sorvete, mas elas não congelaram. Café ou chá não as afogaram.
Devagar, abria a boca para que elas saíssem e ganhassem as flores e as cores do dia. Pôs-se a cantar suaves melodias.
Tinha um coração e pensava que podia amar.

Tinha borboletas e achou que podia voar.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Internalizações



Ela queria senti-lo dentro dela.
Desejava senti-lo latejando em seu interior, movimentando-se quase inescrupuloso. Queria ter o prazer adocicado na boca de sentir as suas vibrações correndo pelas veias, quente, vital, incessantemente.
Desejou possuí-lo como o pulmão deseja o ar. Desejou-o ardente, voraz. Imaginou como ele a invadiria. Fechou os olhos para tentar sentir como seria o exato momento em que ele a tomaria.
Já não era capaz de controlar os seus próprios sentimentos e como o seu corpo fosse terra paradisíaca, sentia que ele era tropa fortemente armada contra ela. Frágil, não oferecia resistência. Capitularia a ele em breve. Ainda não o fizera na tentativa de conservar sua honra.
Apesar de tudo era mulher digna. Jamais havia se entregado assim a tais desejos. Jamais imaginara ceder a caprichos dessa forma. Jamais.
A relação intensa que estabeleceram desde o início já assinalava para o desfecho. Ela o via sobre o sofá e não acreditava. Estavam imóveis, impassíveis, mas ele, naquele momento a dominava só por sua existência.
Não era grande. O impacto que causara era muito maior que ele próprio. E ela o observava com os olhos arregalados e sentimentos aflorados. Invejou as mãos que deram vida a ele. Invejou todos os viventes aos quais ele despertara aqueles desejos.
Por fim, ela cedeu. Era impossível resistir. De leve escorregou os dedos por ele e sem desviar os olhos só conseguia pensar em como seria ser a dona daquele verso tão curto, tão cheio de si e de significados que a invadira sem pedir licença.

Passou a tarde a se envolver ele, toda prosa, perdendo-se em pura poesia.

Aceitação


Aceito o castigo.
Não reclamo da sina de poeta.
Se perco o sono,
Se a insônia é meu grilhão,
Que me venham as noites com seus açoites.
As dores viraram rimas.
Que me venham os sonhos que tenho acordada.
Aceito ser poeta e bem sei o caminho que tenho.
Não é fado que se siga acompanhada,
Tampouco absolutamente solitária:
Tenho a lua por norte,
Estrelas como inspiração.
Tenho nomes como lumiares diante de meus olhos,
Tenho sonos para velar,
Sou fiel guardiã dos que repousam.
Das palavras tiro o consolo,
E se me canso enquanto todos descansam,
Recebo paga maior do que os que dormem:
Vejo o céu escuro se rasgar com o sol.
Recebo o dia prematuro
E bebo, antes do mundo, todas as suas alegrias.
Aceito, obediente a sua profecia:
Manchará o branco com o que vê,
Não será comum entre os viventes
- Entre todos, você já nasceu poesia.
Aceito, satisfeita beber minha agonia.
Aceito a existência notívaga,
Aceito a condição de vestir-me de palavras
E de ser plena preenchendo linhas vazias.

Submarinos


Nenhum mar é sempre sereno,
Nenhum coração bate tão tranquilo.
Há sempre um descompasso,
Uma lembrança,
Um cheiro de um abraço.
Há sempre navios deslizando no mar,
Encrespando a superfície de azul-calmaria.
Há sempre submarinos a nos espionar,
Remexendo em nosso interior.
Deixamo-nos navegar! Coragem!
Corramos o risco de nos entregar! Abra-se!
Há muitos lugares desconhecidos em nós!
Nos encontrar também é um exercício,
E pode acontecer quando nos perdemos
Em olhares curiosos de quem nos quer explorar!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Muros Rabiscados


08/09/13

Calaram-se as bocas
Secaram-se os beijos.
Restaram-nos os versos,
Os riscos nos muros,
As promessas loucas de vontade
De saírem da tinta
E realizarem-se no dia.
E as palavras mudas,
(Quase letras mortas)
Trouxeram à tona seus segredos
Emergindo à luz da aurora
Em tons de confissão:
Já eram ditas pelos olhares,
Já eram reveladas pela dedicação,
Já eram arrastadas pelo tempo.
(Oxalá, seja verdade!)
Ah, e o tempo...
As horas desfolhadas em prosa,
E a vontade de parar os ponteiros do relógio,
De calar o cuco,
De conter a areia.
Pelos muros, marcou-se a letra.
Pelos versos, escorreu-se o sentimento.
Pelo desejo, eternidade.
Pela presença, alegria.
Pela vida, planos.
Pelo real, utopia.

Pelos muros, nada mais que rabiscos.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Relâmpagos


Chega uma hora em que já não podemos mais voltar atrás. Chega uma hora em que já trilhamos tamanha parte do caminho que a solução é seguir em frente, pagar para ver, jogar com as cartas que temos nas mãos.
Chega uma hora em que nos vemos quase perdidos pelos caminhos que nós mesmos escolhemos e há aqui uma leve parada para (re)pensar a trajetória. É nesse momento que nos perguntamos sobre as possibilidades que deixamos de lado.
Tem um momento em que nos damos conta de que não é mais possível mudar o curso, trocar de rumo. Seja porque o vento não sopra a nosso favor, seja por falta de vontade de movimentar as velas na direção de outra ponta da rosa dos ventos.
É essa falta de retorno que nos agonia, que quase nos sufoca porque é possível nos ver como jogadores de xadrez recebendo um xeque-quase-mate, se é que, de fato, não nos mate, do qual tentamos fugir, mas o oponente do outro lado tem pleno conhecimento de nossos pensamentos e ações, porque não passa de nós mesmos.
Se a vida pode ser entendida como um jogo, somos ao mesmo tempo do mesmo time e somos nossos rivais. Somos a mesma torcida que vibra, que teme e que vaia. Somos ao mesmo tempo oscilantes, vacilantes e estimulantes. Somos os vários pontos de equilíbrio no imite de nossas ações, mas nem sempre sabemos qual é o passo a dar.
Talvez seja nessa hora que nos reconheçamos como raio que risca o céu. Como um relâmpago que ilumina o céu escuro, mas que não consegue ver a própria luz. Somos breves. Iluminamos rapidamente céus que desconhecemos e passamos...

Como um relâmpago, nem sempre podemos voltar atrás e o que nos resta é aceitar a tempestade que trazemos dentro de nós, esperançosos que um dia ela vire calmaria.

Tanto quanto


Já somos tantos a comemorar a sorte.
Que nem reparamos o quanto.
(Banalizamos?)
Já somos tantos a acreditar que o amor acabou,
Que a fonte secou,
Que o vento nos levou,
Que nos acomodamos com o que temos.
(Estacionamos?)
Ficamos acostumamos com a saudade,
Com o tanto que nos falta,
E perdemos a noção de quantos somos.
(Incontáveis!)
E somos tantos...
E a saudade...
Quanta...

Tanta...
E ainda assim, tão grande, é pouca.
(Inundamos!)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Eco


Reservo-me ao direito de escrever 
Puramente para não enlouquecer.
Reservo-me ao direto de gritar
Porque sufocaria-me o ato de calar.
Reservo-me ao direito de nem sei o quê
(é possível?)
Na vã tentativa de me responder.
Eu sou o eco de mim
E aqui dentro as perguntas não têm fim

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Vigília


Mesmo na penumbra, velo seu sono.
Meus olhos percorrem toda a sua linha,
Traçando a cartografia do seu descanso.
Repousa e sonha como criança delicada.
A leveza de seu suspiro noturno me inunda.
Ao seu lado, sinto-me Tântalo:
Está ao tácito toque de meus dedos
E não ouso, recuo.
Está olvido no veludo da madrugada
E meu silêncio lhe embala e nina.
O espaço de minha cama fez-se em mar:
Eu lhe vejo navegando em meus lençóis.
Na imensidão desse azul que flutua.
Avisto-lhe, ilha paradisíaca, e desejo aportar:
Virei eu embarcação à deriva e você, oceano infindável.
Mas bem sei que não é o meu cais,
Bem sei que não matará a minha sede.
Bem sei que não saciará a fome de meus olhos,
Tão pouco será o destino de meus pés.
Velo o seu sono por lealdade jurada.
Guardo a sua serenidade com a minha paz
E deixo a minh’alma atarantada.
Seu sossego vale mais do que o toque.
Seu descanso é mais sagrado que o Livro.
Deito-lhe em meu altar, cama segura
E contemplo-lhe o sono, oblação abençoada.
Talvez eu me sacie com o orvalho que umedece sua fronte
Talvez eu me entorpeça com um madrigal,
Mas ainda assim, não despertarei o seu sonho
Nem lhe atordoarei o coração.
Durma, durma agora, que lhe quero muito bem.