Até parecia que tudo
estava como deveria ser. Céu, nuvens, carros, pés, mãos, bocas, palavras bem
ditas e as malditas palavras mal ditas. Não fossem pelos não-ditos e não-feitos
tudo estaria certo, nos conformes, como diziam por aí.
Era um inverno mais frio
que os outros porque era marcado pelo silêncio causado pelos mal entendidos ou
seria pelos não-entendidos deles de cada dia? Tanto fazia. Por um ou pelo outro
havia um ruído ali na sala, mergulhando os corpos companheiros em mares imensos
de desilusão, descontentamento e cada vez um silêncio maior, levando ao
afastamento e às mágoas.
Engoliam o sal das suas
próprias lágrimas sem queixar-se ou sem ao menos tentar entender o porquê elas
se jogavam da margem do olho, como cachoeiras que não pedem licença.
Ela literalmente se
afogava em seu sal. Calava-se com as palavras que desejava dizer. Ele apenas remoia
o porquê de ela ter se calado, mas já não ousava falar. Dos olhos úmidos, só
ela sabia explicar. Só ela sustentava a cena de se deixar transbordar pelo que
sentia. Ele, homem, segurava, parecia mais frio que o mármore da estátua da
praça, mas ela sabia que não era assim.
Compartilhavam um silêncio
de cristal, fácil de ser quebrado, mas temido pelos cacos que poderiam deixar
pelo chão. Compartilhavam ainda uma admiração um pelo outro e não sabiam de
onde vinham as mágoas que os afundava naquela poltrona da sala.
Tudo estava como deveria
estar: quem os via até elogiava o casal. Estavam muito bonitos até para uma
foto, não fosse o coração em frangalhos, retalhado ao longo dos anos por tantas
palavras não ditas e muito mais pelas mal ditas.
Ele, estátua de bronze, ainda
a queria para aquecer seu coração com aquelas mãos tão pequenas e delicadas –
mas que nem eram tão menores que as dele e que se encaixavam tão bem com seus
entrededos.
Ela fazia uma prece dessas
decoradas, inconformada, desejosa por uma lareira que fosse capaz de
reaquecê-los, porque mais do que os “mal” e os “não” entendidos, embaixo de
toda a neve que teimava em glaciar a sala, havia amor naqueles corações.
Era um dia de inverno mais
frio que os outros, mas esperançoso pela chegada das flores e do calor amoroso
da primavera, anunciando, mais uma vê, o verão que poderia fazê-los arder.
1 Comentários:
Que escrita gostosa de ler... Texto maravilhoso! Parabéns, Dy!
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