Ele era só mais um homem
comum que todos os dias pensava em como era difícil amar a sua mulher. Ela que,
àquela hora da madrugada dormia pesadamente, mas com o semblante tranquilo,
completamente desarmada, mostrando-se mais bela com o jogo de sombras da
penumbra do que ele já havia reparado antes.
Era possível ver a sua
alma feminina entregue, exposta, bem ali ao lado dele. Uma imagem que inspirava
confiança: a mulher confiava naquele homem e permitia-se repousar profundamente
em seus braços, tendo-o como abrigo e proteção, como guardião de seu sono e até
alguns sonhos.
Há dias ele pensava
consigo mesmo sobre aquele momento, que agora lhe parecia um deja vu: intimamente ele desejava um
momento em que pudesse contemplá-la assim, despida de suas armaduras diárias,
livre de qualquer apetrecho que a permitisse esgueirar-se pelas entrelinhas ou
entressorrisos que ela sabia bem como fazer. E ele a achava ainda mais linda.
Ele a amava. Não restavam
dúvidas quanto a isso. Mas como todo espírito humano, não estava livre de medos
e dificuldades e conforme a madrugada ia chegando ao seu fim, refletia em como
era difícil viver aquele infinitivo: AMAR.
A aurora entrava pelas
frestas da persiana. Em pouco tempo o sol anunciaria o início de mais um dia e
aquela mulher despertaria animada, agitada, ativa e mergulharia em sua rotina: cumpriria
alguns protocolos, ignoraria outros, inventaria outros tantos. Para ele era
fascinante como ela conseguia ser previsivelmente imprevisível.
Não é fácil amar uma
mulher que se diz em seus silêncios. Que se expõem em meandros como rio de
sentimentos. Não é fácil amar uma mulher de entrelinhas e parênteses, que se
equilibra em reticências e pausas, que economiza nas palavras para esbanjar em
olhares e sutilezas de gestos e detalhes.
Ela permitia se guardar
nesses silêncios. Enrolava-se neles como se fossem vestidos de seda – e eles
lhe caiam tão bem! Gostava de lançar olhares e aquilo que não lhe saia da boca
repousava sobre os espíritos que não a conheciam como enigmas esfíngicos.
Era uma mulher de ações:
perdia-se em suas anotAÇÕES, assumia tarefas e dava cabos de todas as suas
formulAÇÕES, gostava de lançar provocAÇÕES e brincar de conquistar corAÇÕES. Esse
jeito prendia-o a ela. Era como um encanto para seus olhos, mas era, também, a
raiz de suas inseguranças.
Em sua movimentação e
independência, mantinha toda a sua bagunça (des)organizada: assumia e
desmarcava compromissos com a mesma velocidade que atravessava a rua ou dava um
suspiro. Isso assustava o homem que a amava, mas ela ria. Por ele, ela rasgaria
toda a agenda, jogaria tudo para o alto. Ritmava seus dias pelas buzinas,
toques de telefone e velocidades dos carros, mas, sobretudo, era movida a amor.
E amava aquele homem que agora a observava. Amava-o, mas não o brindava com a
certeza do que sentia.
O homem a contemplava e a
amava ainda mais, mesmo tendo a insegurança como companhia. Devagar ele
sussurrou que a amava. Como se o ouvisse ela sorriu e seus lábios sugeriram o
nome dele. Ela mexeu-se na cama, procurando-o com o braço. Enlaçou-o. Ele
suspirou e sentiu o cheiro dela. Entorpecido, alegrou-se e sentiu-se amado.
Amar aquela mulher era
difícil, mas ele aceitaria o desafio todos os dias, a cada amanhecer, porque
era sublime ver como aquele corpo de mulher se entregava leve a ele todas as
noites, porque era indescritível a sensação de ouvi-la dizer seu nome, como
quem recita um poema ou entoa uma
canção.
0 Comentários:
Postar um comentário