Ela fervia bem mais do que
a água no bule. Batia as unhas pintadas de um castanho semelhante ao que
beberia em alguns instantes na beirada do fogão. Conservava os dedos em uma
distância segura da chama, mas a sentia aquecer a pele, ardendo.
Ela ardia bem mais do que
aquela chama. Derreteria a neve só com o olhar. Inflamaria uma floresta inteira
se passasse entre as árvores. Ardia em febre, mas ninguém notava.
Na sala pés ansiosos se
sacudiam. Havia mãos que não sabiam o que fazer também. Do sofá dava pra ouvir
o sussurro de uma música. Alguma coisa de amores, de dores, de flores. Ela adorava
essas letras com rimas comuns, que beiravam o brega.
Ele suspirou e sentiu o
cheiro do café.
Enquanto deixava a água fervente
do bule escorrer pelo coador, ela se doava, como se estivesse se colocando na
bebida, se transformando de clara a castanha. Era fascinada por cores.
Gostava de ver como a água
se modificava só para atender ao capricho de bocas desejosas de sabor, de
calor, de energia. Gostava de acompanhar como e em tão pouco tempo dois se
tornavam um, sem se perderem, já que conservavam suas essências.
O cheiro do café invadiu a
casa. Em poucos minutos a mesa estaria posta, mas nenhum complemento seria
necessário. O café bastaria. Ele sempre basta.
Com a paciência de uma
flor que se abre devagar ao amanhecer ela esperou o café passar, observando
atenta cada gotejar do final. Não passa das nove da manhã. Seu visitante
inesperado a esperava na sala. Não lembrou-se dele. Não lembrou-se porque não o
havia esquecido. Ela ardia. Estava febril. Chegou a corar.
Decidiu servir logo o
café. A boca o desejava. A língua pedia para molhar-se com o calor-amargo
recém-feito.
Entrou na sala e viu um
corpo inquieto no sofá. Por um segundo teve a impressão de que sairiam algumas
palavras daquela boca, mas recebeu só um sorriso.
Sem falar, fez um sinal
convidando-o para a mesa, que logo se sentou ao lado dela, olhando-a fixamente,
como ela olhava para o café, instantes atrás.
De repente, ali, naquelas
xícaras de café, ela colocou todo o amor que podia. Todo o amor que gostaria de
declarar, mas a boca t(r)emia. Serviu a bebida. Viu o cheio dos cafés subirem e
se misturarem aos perfumes do dia.
Devagar levantou a xícara
e inspirou fundo. Sentiu o aroma (mais do amor que tinha colocado do que do
próprio café) e, ao bebê-lo, pensou que nada podia ter de melhor em sua vida:
um amor, um café e um bom dia. Sentado ao seu lado ele a observava e não
pensava em mais nada... Estavam os dois inebriados pelo café, pelo dia e seus
aromas.
2 Comentários:
Lindo! Muito lindo mesmo!
Eu tô encantado com esse texto!
Parabéns Dy!
Obrigada, Hudson!
Beba desse Café sempre que quiser!
beijo,
dy
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