Foi
como se tivessem cortado as amarras. Todas as amarras. De repente ela se sentia
meio frouxa, com muito espaço, tendo liberdade para esticar os braços sem
esbarrar em ninguém, podendo virar-se para todos os lados sem ter que tomar
cuidado para não empurrar pessoa alguma.
Há
muito tempo ela sentia-se presa por laços invisíveis e quase infinitos. Era uma
quase dependência da presença, do afeto, do sorriso e das canções. Sabia-se
livre, mas não sentia a liberdade. Sabia-se solta, mas teimava em não tirar os
pés do chão. Sabia-se leve, mas não ousava dar mais do que dois ou três
passeios na lua, olhando as estrelas.
Naquela
manhã de inverno, gelada como o sembrol, ela caminhou devagar a até a sua
janela olhando o vazio. Viu algumas folhas dançando com o vento que anunciava
chuva e resolveu tomar uma xícara de chá bem quente.
Cada
gole descia-lhe pela garganta aquecendo-a como brasa. E como se fosse uma nova criatura
entendeu que por mais que os caminhos se cruzem, raramente as estradas seguem
alinhadas uma ao lado da outra.
Desvencilhar-se
do que lhe já era habitual era doloroso. Era como se equilibrar no fio de uma
faca afiada: ou lhe cortaria os pés ou pularia para fora do penar. Ficar equilibrando-se
no rumo do incerto só lhe traria marcas nos pés, dores, um pouco de superação e
o gosto pelo desconhecido. Saltar desse caminho poderiam lhe trazer as mesmas
sensações, mas com outras possibilidades, novas visões.
Talvez
os dias ficassem cinza por algum tempo. Talvez ela fosse tomada de um amargo no
canto da boca que lhe impediria de sorrir mostrando todos os dentes, com felicidade
plena. Talvez passaria noites acordada, elaborando teorias do tipo “e se...” só
pra passar a insônia. Talvez nada disso acontecesse e ela só demorasse um tempo
para transformar tudo o que sentia em uma saudade dessas gostosas de se lembrar
porque tinha a certeza de ter vivido cada momento. Talvez seria tudo só um
talvez. E ela detestava o talvez.
Abriu
um livro, acendeu um incenso, olhou pela janela. Pegou um cobertor e
entregou-se de corpo e alma ao Walter Scott, sua companhia naquele dia gris e
frio.
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