sábado, 30 de novembro de 2019
Porvir
Somos do muito e do pouco:
Muitos sonhos, pouca calma.
Somos imensos e mínimos
Como se o universo inteiro
Fosse um grão de areia.
E morremos na praia
Nas nossas distâncias
Cativos em nós
Sem deixar a onda nos aproximar
Morremos frios, ainda que ardendo ao sol.
O que nos faz igual é sermos tantos
E não menos que reinos,
Castelos e fortalezas,
In-trans-po-ní-veis
Armaduras
Que escondem pérolas,
A beleza do ser,
O ouro de Ofir
(Atravessando fronteiras)
Carregamentos inteiros de descobertas
Chances do porvir:
Evitaremos o desperdício?
sexta-feira, 29 de novembro de 2019
Calabouço
Caminhante na vida,
Andante das palavras,
Distraída por natureza e por versos,
Caí em armadilha desmedida.
Como que por encanto e magia
Envolvi-me com (sua) poesia
E aprisionada estou
No calabouço de suas histórias
Em um tanto de segredos,
Meu degredo noturno,
Minha canção matutina,
De quem conta as horas
À espera da liberdade
Que só chega quando me abre
Os sentidos e as sensações,
Desamarrando-me com seus beijos,
Desfazendo-me sutilmente,
Na ponta dos dedos.
quinta-feira, 28 de novembro de 2019
Anti-negação
Não me negue sentimentos
Sofro menos quando tento:
Ser esse pé de vento
Que lhe bagunça a papelada,
Que lhe refresca da insolação,
Que lhe recita meu nome,
Deixando-o vivo em sua memória.
Habituei-me aos cantos, sombras e quintais.
Habituei-me a doar e a ceder
E ouso agora reverter:
Quero experimentações,
Portanto, não me negue sentimentos,
Deixe-me entrever seus vãos,
Recriar seus espaços,
Deixe-me ser mais leve
Do jeito que posso:
Sou mais feliz quando tento.
quarta-feira, 27 de novembro de 2019
Solidez
Na prateleira, o amor é sólido
Estático, lindo.
Fotografia.
Mas, esse amor não me comove,
Não me tenta,
Não me apetece.
Não me dá sobrevivências.
E digo com a boca cheia de beijos
Que querem ser dados
Em plenas vivências,
Movimentos,
Andanças,
Vôos,
Nós.
terça-feira, 26 de novembro de 2019
Morte
Pinta as unhas,
Veste negro.
Traz as garras de rapina.
Sobrevoa leitos,
Dança no meio da rua.
Quase louca, mete medo,
Mas é em seus braços o fim
Do gozo ou da dor
Adormeceremos incautos,
Profundos em jazigos.
Há quem diga que por ela
Chegamos à paz eterna.
segunda-feira, 25 de novembro de 2019
Incensos
Imensos céus nos cobrem.
Sobre nós tecem seus prazeres,
Cozinhando o juízo
Ao sol do meio-dia.
Ardendo os corpos
Em seus alvos lençóis
Às solidões das meias-noites.
E ousamos crer que nos céus moram os deuses
E elevamos preces incensadas,
Mais aladas que as palavras,
Esperançosos de um milagre.
Tu, ao contrário, acendes incensos ao amor
Perfumas o quarto, a sala, a vida
Enquanto sonhas com rendas e véus,
Enquanto desejas sussurros e beijos,
Enquanto amas aquela que o inspira.
E aqui, incansáveis, os incensos queimam
E envolvem o corpo sinuoso da amada
Em tua cama e longe dela
Porque é duradouro o perfume do amor
E ela o ostenta satisfeita e orgulhosa:
Está sob o céu, mas em seu altar
Ela reina como sua Afrodite particular.
domingo, 24 de novembro de 2019
Escolhas
Não sou eu um ser de garbos,
De eiras e beiras,
Tampouco delicadezas,
Mas abuso das avarezas:
Dispenso lamúrias sobremaneiras,
Seriedades tantas e pautas vagas.
Neste mundo estou mais para
Um ser de amor e passagens:
Amo o que de ti me dá:
O riso estreito,
A força tamanha,
O noturno aconchego,
O vasto preito.
E a mim isso basta.
E devolvo o que posso
Por conta e risco:
Um tanto de liberdade,
Gargalhada cheia,
Um vinho salpicado de amargor.
Pouca dosagem, muita vontade.
No fundo sou de passagem
E a hora de partir chega
Com o nascente ou poente
Mas, ao anoitecer,
Desejo ser só de amor
Fazer de ti minha paisagem rotineira
Contar as luas no brilho de seus olhos
Saber que posso ir, mas, escolher ficar.
sábado, 23 de novembro de 2019
Prece a Anteros
(*Anteros, na mitologia grega, é o deus do amor correspondido)
Há em todo querer
Uma pitada de encanto e mistério,
Projeção e sonho,
Desejo e descoberta.
É o ardor apaixonado dos platônicos.
É a sede eterna de Tântalo.
Fruto dos deuses:
Suplício ou dádiva, entorpecente.
A busca é sua maior ventura.
Mas, o meu querer é pueril:
É imediato e duradouro,
É um querer de Anteros
Quase a tempo e hora,
Mas não está, o bem-amado,
Ao alcance do toque.
Não está, o bem-amado,
À distância de um beijo.
Então, de verdadeiro,
De puramente verdadeiro, não há o amor
Apenas vontades e preces.
sexta-feira, 22 de novembro de 2019
Pequena luz
Eu, pequena luz, esmorecendo.
Tuas mãos macias sendo aconchego.
Um respiro no desespero,
Um alívio no cansaço.
Em seu ombro pouso leve e desconcertada.
Em seu peito descanso meus sonhos.
É um peito tão largo e profundo
Que jamais ousaria atravessar...
Desfaço-me desse esforço
O aceito ninho-noite que me afaga.
Sob a luz de seus olhos cresço novamente.
Fico bem maior do que sou,
Bem maior que o mundo.
E, gigante incandescente, volto à luta.
quinta-feira, 21 de novembro de 2019
Tardes Perfumadas
O desassossego todo é filho do tempo.
Do tempo em que o desejo é constância,
Que o corpo é ardor,
Que o amor é saudade
E o peito é vago.
É tudo um desalinho
Frêmitos da juventude,
Inquietudes tão naturais quanto brutais .
Enquanto isso, a existência caminha,
Breve eternidade,
Acostumada com a ausência,
Com perfume de fim de tarde.
A juventude passa e se acalma.
O amor chega e faz morada.
As horas se estendem.
O fim tarda.
O toque que alucina também abranda
E se perpetua na memória.
quarta-feira, 20 de novembro de 2019
Esconderijo
Não sei se o sinto ou imagino,
Se o escrevo ou sonho,
Mas, o poema cresce.
Ganha lastro, alastra,
Invade, inquieta e acalma.
Porque é parte da divina arte,
Porque é tudo que me cabe
E se ouso ser entusiasmos
É que sei haver um esconderijo
Onde moram segredos e medos,
Onde habitam versos amorosos
De noites ardentes,
Leitos de tranquilidade.
Porque me tira o sono, mas, dá a paz.
Estremece a alma, mas, brotam sorrisos
Que fugiram de mim
Abandonaram meus próprios esconderijos
Porque já fomos iguais
E há de se haver uma saída,
Uma chance, um tempo-espaço único
Em que os corpos se encontrem e se abandonem
Em que as palavras se desnudem,
Se desejem, se consumam.
Há de haver a liberdade do verbo
Fazer
Sem que haja pudores
Ser
Estar
Compartilhar
Alcançar o novo e sair das cavernas
Não voltar à escuridão
O tempo de se esconder é findo
E a entrega começa ao darmos as mãos.
terça-feira, 19 de novembro de 2019
Tanto
Não fossem as palavras
Era só um papel
Não fosse a madrugada
Seriam apenas horas a correr.
Era tudo o que não era
E padecia um pouco
Todo dia
E sabia esperar
Que o menos crescesse
E transbordasse
Que o tanto
bastasse.
segunda-feira, 11 de novembro de 2019
Alento Noturno
Se eu pudesse, em uma noite dessas em que você desbota, faria dessas palavras um abraço, um afago e uma canção (música me acalma).
Eu buscaria em algum lugar um lampejo de esperança e colocaria no seu bolso ou penduraria no seu pescoço, tipo patuá, pra te convencer de que ali na frente as coisas vão melhorar.
Eu cederia mais um abraço a cada notícia ruim que nos golpeia, nos envergonha, nos envenena todos os dias, pra você saber que não é o único a sofrer.
Eu entoaria como um mantra a máxima árabe que ensina "que tudo passa" só pra ver brotar a tranquilidade nos olhos salpicados de angústia.
Mas, de tudo isso, talvez só um abraço silencioso fosse eficaz porque mesmo sendo mágicas as palavras, elas ainda não traduzem certas coisas. Paz de espírito, equilíbrio e afeto são intraduzíveis em palavras.
domingo, 10 de novembro de 2019
Azimute
(Pôr do sol em Muriaé, 10 de novembro de 2019. Foto gentilmente cedida do acervo pessoal de Saulo Otoni)
Era findo o dia com suas cores,
Deslumbrantes aquarelas,
Dividindo o céu,
Semeando esperas:
Da lembrança,
Do poema,
Do beijo,
Do café.
E todo pensamento era refúgio.
E todo pensamento guardava o sol
No canto do olho,
No canto do peito,
No canto do pássaro,
Que embala as coragens nossas,
Herança da infância,
Num céu-menino-quase-preto
Esperando ser salpicado de cintilâncias.
O sol se põe e se deita no azimute.
Nós, miúdos, esperamos seu levante
Para levantar também.