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sexta-feira, 29 de julho de 2016

Coração-Lobo





À guisa de qualquer criatividade, poderia se usar o adjetivo casmurro, como no clássico literário, sem que fossem cometidos crimes autorais ou absurdos comparativos.
Taciturno também poderia cair muito bem como carapuça ou luva naquele ser que perambulava sobre a terra sem maiores pretensões do que existir e, sem esforço algum, aborrecer este ou aquele passante que ousasse direcionar-lhe um sorriso.
Não era por mal que andava carrancudo ou cabisbaixo. Não era por mal nem que existia. De fato, não conhecia a maldade e nem a praticava. A quem lhe perguntasse, por cisma, o motivo do silêncio ou da opacidade, justificava-se apenas colocando a culpa no mundo que já não ia mito bem há tempos.
Quem o observava de longe era capaz de afirmar, de certo, que se tratava de apenas mais um homem fechado, desses que se cercam de seu egoísmo e já nem o espelho aceitam por companhia, por temer dividir-se em dois.
A ausência de vícios não lhe favorecia. O mau gosto pela vida nem era mais notado. E tamanha tristeza só conseguia ser maior que o velado desespero de um coração solitário como um lobo que teimava em habitar-lhe o peito.
Ainda tinha gosto pela poesia, mas já perdera o viço das rimas.
Ainda tinha gosto por quadros, mas as tintas eram desbotadas.
E seu pobre coração-lobo, uivava nas madrugadas longas e insones uma canção tão comprida e estridente que nem com o travesseiro era possível abafá-la.
Assemelhava-se com uma ostra fechada, mas parecia não ter nenhuma pérola a oferecer, senão, um sorriso muito branco, muito inexpressivo, muito lugar comum, que não refletia tampouco o que sentia.   
Talvez fosse, na verdade, um casulo em metamorfose, aguardando, ansioso, o momento do despertar. Aguardando a boca fresca de aurora a lhe chamar o nome e devolver a vida, roubada em uma das esquinas do tempo, quando os planos feitos foram jogados pelos ares e o chão desabara.
Talvez esperasse a leveza do vôo de cabelos soprados pelo vento que lhe acariciariam a pele e trariam à tona as esperanças enterradas nas sombras do esquecimento.
Talvez esperasse ouvir o seu nome cantado como o som de cotovia ao raiar do dia, mas já fazia ouvidos moucos a toda voz que a ele se dirigia.
Talvez vivesse de esperas e esquecera, de fato, que os passos precisam ser dados para existirem. Talvez tivesse se esquecido do que era a ação e, por isso, parecia ser tão estático.
Talvez tivesse esquecido o que era a alegria de ser amado e já não amava entregue aos medos que lhe cercavam e que acabaram por domina-lo.
Talvez esperasse que um anjo abrisse o céu e lhe estendesse a mão de luz para salvá-lo, mas ainda tinha os olhos fechados para qualquer luminosidade que se atrevesse.
Talvez tivesse aprendido a ser uma quase estátua. Um ser sem ser. E, a essa altura da vida, proteger-se debaixo de seu chapéu envolto a um sobretudo era tudo o que lhe havia sobrado.
Sobrava na vida. Não sabia mais como ser reintegrado, fadado ao seu silêncio e monotonia.

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